sábado, 6 de dezembro de 2008

ERIK SATIE

Escritos em forma de grafonola

Após uma adolescência bastante curta, tornei-me um jovem normalmente potável, não mais do que isso. Foi nesse momento da minha vida que comecei a pensar e a escrever musicalmente. Sim.
Ideia deplorável!...ideia muito deplorável!...
Isto porque não tardei a usar uma originalidade (original) displicente, fora de propósito, anti-francesa, contra-natura, etc, decidi retirar-me para as minhas terras e passar os meus dias numa torre de marfim - ou de outro metal (metálico).
Foi deste modo que tomei o gosto pela misantropia; que cultivei a hipocondria; e que fui o mais melancólico ( de chumbo) dos humanos. Fazia pena ver-me - mesmo com um lornhão de ouro contrastado. Sim.
E tudo isso me aconteceu por culpa da Música. Esta arte fez-me mais mal do que bem, embrulhou-me com muita gente de qualidade, muito distinta, elegantíssima, muito «como deve ser».
Adiante. Voltarei a este assunto.
Pessoalmente, não sou bom nem mau. Oscilo, diria.
Também nunca fiz realmente mal fosse a quem fosse - nem bem, de resto.
Todavia, tenho muitos inimigos - fiéis amigos, naturalmente. Porquê? Isso deve-se apenas a, na maioria, nao me conhecerem, ou conhecerem-me em segunda mão, por terem ouvido dizer (são mais as mentiras que os mentirosos), em suma.
O homem não pode ser perfeito. Não lhes quero mal de maneira nenhuma: são as primeiras vítimas da sua inconsciência e falta de perspicácia...pobre gente.
Assim, lamento-os.
Adiante. Voltarei a este assunto.
Quando era novo disseram-me: Verás, quando tiveres 50 anos. Tenho 50 anos. Não vi nada.
Ravel recusa a Legião d'Honra mas toda a sua música aceita-a.
Nada de Casernas
Nunca ataco Debussy. Só os debussystas me incomodam. Não há uma escola Satie. O satismo não saberia existir. Teria de contar com a minha hostilidade.
Em arte, a escravatura não é possível. Esforcei-me sempre por despistar os seguidistas, pela forma & pelo fundo, em cada nova obra. É o único meio, para um artista, de evitar tornar-se um porta-bandeira, vale dizer-se mestre-escola.
Agradeçamos a Cocteau por ajudar-nos a sair dos hábitos de chateza provinciana e professoral das mais recentes músicas impressionistas.
Nada de Confusões
Entre os músicos, há os mestre-escola & os poetas. Os primeiros impõem-se ao público & à crítica. Citemos como exemplo de poetas Liszt, Chopin, Schubert, Moussorsky; de mestre-escola, Rimsky-Korsakov. Debussy era o tipo de músico poeta. Na sua esteira encontram-se numerosos tipos de músicos mestre-escola. (...)
O ofício de Mozart é ligeiro, o de Beethoven pesado, o que poucas pessoas podem compreender; mas ambos são poetas. Aí está tudo.
P.S. - Wagner era um poeta dramático.
edição & etc, Lisboa, 1993
Tradução, organização e notas: Célia Henriques e Vitor Silva Tavares

Sem comentários: