terça-feira, 2 de setembro de 2008

A propósito de LILAC WINE na versão de JEFF BUCKLEY
que tanto apreciei e na voz de NINA SIMONE
Os Dom Rodrigos são para o Paulo e para o Jorge Fallorca
www.frenesi-livros.blogspot.com


DOIS POEMAS DE PAULO DA COSTA DOMINGOS

»Sometimes while a person is talking I step out my
shoes and, like a plant drifting with the current,
I begin the voyage of my rootless self.»
Henry Miller

Os meus sapatos ficaram junto à retrete nas traseiras
Se te mexeres dessa cama imunda podes encontrá-los lá
Vomitei-te o chão todo da marquise e olhava encandeado a flor no vaso sobre o parapeito
Sabias que eu lia nessa altura Henry Miller mas não me ajudaste a «dar o salto»
E agarravas-me à tua cumplicidade doméstica
E eu vomitei-te o chão da tua cozinha
Afinal os meus sapatos mal-cheirosos talvez estejam na dispensa, quando roubava rodelas de chouriço
E tu batias-me
E agora já ninguém tem mão em mim
Porque eu leio Henry Miller e oiço Bob Dylan dos primeiros tempos
A tua filha bebe Coca Cola estupidamente
Os Amantes correm o país de automóvel de parque de diversões, de Feira Popular
E a mim só tenho este papel apanhado nas escadas do metro e já me resta pouco tempo
Como queres que eu me saiba sentar à mesa?

10-9-977

Paulo da Costa Domingos, TRAVESTI, & etc, Lisboa
Eu sou a cabra que tu vês à esquina logo de manhã quando caminhas com o cabaz das compras e a criada atrás
Fui eu quem assaltou hoje a mercearia do sr. José, coitado, mesmo à tua porta, e que causou um alvoroço enorme
Eu arrastei a tua catraia tão sossegadinha à força para dentro duma escada e, acredita, nunca pensei que uma miúda já soubesse tanto
E passo acima-abaixo na tua rua rente à janela do teu lar à procura dum homem, tu és dos que chamam palavrões a este cio homoxessual e escondes a cara nas cortinas
Eu sou dos que perde os dias no café sem fazer nada, essa canalha
Deito-me com mulheres de qualquer idade e até faço amor com a tua filha
Tenho vícios astrais, a minha boca conhece a do anjo de Filadélfia
Visto-me de mulher, visto-me de homem, quando calha até me visto de coisa sonsa e hipócrita
Durante a noite ando aos caixotes, mergulho o nariz na náusea dos edifícios
E partilho das gamelas dos freaks desta cidade
Não me chateies mais com os teus problemas transcendentes
18-10-977
Paulo da Costa Domingos, TRAVESTI, & etc
Pintura de EGON SCHIELE
e interpretação de JULIANNE MOORE