segunda-feira, 20 de julho de 2009

AURORA

A aurora de Nova Iorque tem
quatro colunas de lodo
e um furacão de negras pombas
que chapinham nas águas apodrecidas.

A aurora de Nova Iorque geme
nas escadas imensas
a procurar entre as pedras
nardos de angústia desenhada

A aurora chega e não há quem a receba na sua boca
pois ali não há manhã nem esperança possível.
Às vezes, em enxames furiosos, as moedas
perfuram e devoram abandonados meninos.

Os primeiros a sair compreendem com os ossos
que não haverá paraíso nem amores desfolhados;
sabem que vão para o lodo de números e leis,
para os jogos sem arte, para suores sem fruto.

A luz é sepultada por correntes e ruídos
num repto impudico de ciência sem raízes.
Nos bairros há pessoas que vacilam insones,
como recém-saídas de um naufrágio de sangue.

Lorca - Nova Iorque num Poeta, Hiena Editora, 1995, Lisboa

2 comentários:

Supermassive Black-Hole disse...

é uma irene lisboa com pénis, completamente à frente do seu tempo, e, portanto, absolutamente actual...

Graça Martins disse...

Absolutamente actual...
No presente e para o futuro.
A boa poesia é intemporal.