domingo, 8 de fevereiro de 2009


valter hugo mãe

a vida sexual do bruno

começou aos treze anos
com uma mulher mais velha que
lhe disse gostar de levar à boca
pequenas conchas e certos
frutos secos. o bruno serviu-lhe
de delicado amor com discrição
ansiando embora que ela o
tratasse com importância e o
quisesse para sempre. o coração
do bruno divide-se entre estes dois
extremos, como uma noz, o da facilidade
perante a sedução, e o da angústia infinita por
perder a cada minuto a candura
redentora do desconhecimento. a casca
do coração é dura, o
interior tão intrincado

com o tempo, o bruno
desenvolveu um néctar viciador
que, às bocas ávidas, inventava
territórios de sonho para onde a
consciência se matava. com tal
truque, ele metamorfoseou-se em
terminador de ofícios como o da
poesia, do ensino da música ou
da colheita de amostras marinhas
do céu. matando sem piedade
as mulheres obstinadas pelo seu néctar,
o bruno viu a terra esvaziar-se e o
diálogo escassear, mesmo sobre o
sexo ou a saudade de se ser amado
sem artifícios
em seu redor, ele agigantado, as
coisas pareciam mingar e pedir-lhe
auxílio. mas da sua natureza não faz
parte voltar atrás, por isso, vive
preparado à porta das casas
para impressionar quem, cedo pela
manhã, sai à rua em busca ainda do
amor

eu regozijo. deixei
de escrever poesia para melhor ver
o lado não metafísico do céu. e posso
entrar no mar em busca de todas as
coisas impossíveis, porque sei que
não as vou encontrar. à noite, sonhamos
os dois com o mesmo, uma
ladeira íngreme onde fiquemos seguros
de cair pelas flores fincando o pé
às milhares, e as raparigas em toda a volta
pedem-nos em casamento e nós aceitamos
tendo mil filhos e amando cada uma
profundamente felizes, à beira
de inventarmos infinitamente o melhor do mundo

folclore íntimo, COSMORAMA Edições