sábado, 14 de fevereiro de 2009


















Foto de David Hamilton

VALENTINE'S DAY

E assim termino este dia, com uma figura emblemática da musica brasileira - ALCIONE fala-nos de emoções ao rubro e de relações atravessadas por algum Tsunami.

Minha Estranha Loucura por Alcione

Quatro poemas de João Borges

MADRUGADA LENTA – ADÁGIO

Sentindo o teu peito
dourado, o ventre
liso, num gemido
o sexo
queima as pernas.
Quero de ti
o orvalho mais vivo.
PEDRA

Esta pedra que não vês
mas eu sinto
explodirá no teu peito.

Observo lentamente, não
tenho pressa. Nascemos
para o desejo. Pedras,
sangue, esperma,
tudo explode
no limite dos corpos.
ANÁLISE DO ROSTO

Um rio de lume
une a nossa pele,
o rosto inteiro.

A estrada prolonga-se
até ao deserto onde a noite
é sempre noite.

Fecha os bares onde estou,
desencontrado. Leva-me
para casa e adormece-me
pela primeira vez.
O SANGUE: O CORAÇÃO

Nunca te quis matar
em mim. Nesta encruzilhada
o sangue enlameia o coração.
Peço apenas que me deixes ser
a roupa do teu corpo.

Três poemas de Isabel de Sá

A flor de papel em violento rosto. De difuso braço a música eclodia. A palavra ardente sobre o lago. Os fumos.
Um amigo despede-se de outro amigo. Gesto a deslizar. A placa de espelho, serpente em relevo e fina textura. Flor de papel doirada sobre a mesa, tocando a página, o livro.
Um homem despede-se de outro homem. A luz irrompe das pupilas e em árvore se transforma.
O corpo do rapaz irradiava um esplendor juvenil. Os músculos eram macios, a pele coberta por uma penugem ainda leve.
Atravessáramos o Inverno absorvidos pela ânsia de conhecimento. Não seria especialmente a ternura ou o afecto que nos unia, antes a aventura dos corpos no extremo da adolescência. Ele tinha uma forma peculiar e sensível de brincar com os meus cabelos muito lisos, fazendo passar por eles os dedos como agulhas. Este corpo de rapaz vivera no poema.
Um mamilo pequeno e claro trouxera à minha pele lenta memória de infância: a menina que um dia me tomara por recém-nascido alimentando-me do seu brevíssimo seio.
Chegara Setembro com a poalha ténue do entardecer. Nossos corpos entravam no estado adulto onde cada um procurava o poema, isolado numa solidão própria.
Só o lume dos teus beijos rompe
a treva onde a solidão nos mata.
Enrolamos a vida no escuro,
na semente de um amor atribulado.

Conhecemos o ritmo e a sede,
a convulsão do desamparo.
No sentido do corpo, no acerto
desce a força pelos braços
na violenta festa do prazer.

Tudo o que disseste
no desaforo da paixão
só podia incendiar a vida inteira
e encher de esperança o universo.

Isabel de Sá, Repetir o Poema, Quasi Edições, 2005
14 de Fevereiro Dia dos Namorados, dos Amantes, dos Apaixonados.




A Metáfora do Coração - Maria Zambrano

A visão do coração
(...)
O coração em chamas ou o fogo do coração é uma metáfora, a forma de que se revestiu nas suas aparências históricas. Mas na terminologia popular, nessa vida que o «coração»levou em seus fieis territórios, o coração não é fogo, mas parece apresentar-se em símbolos espaciais: é como um espaço que dentro da pessoa se abre para acolher certas realidades. Lugar onde se albergam os sentimentos indecifráveis, que saltam por cima dos juizos e daquilo que pode ser explicado. é amplo e também profundo, tem um fundo de onde saem as grandes resoluções, as grandes verdades que são certezas. E às vezes arde nele uma chama que serve de guia através de situações complicadas e difíceis, uma luz própria que permite abrir passagem onde parecia não haver passagem nenhuma; descobrir os poros da realidade quando esta se mostra fechada. Encontrar também a solução de um conflito interior quando se caiu num labirinto inextrincável por obra das enredadas circunstâncias. Nesta cultura permanente do coração, não arde como fogo mas como chama, chama que não produz dor mas felicidade. E é luz que ilumina para sair de impossíveis dificuldades, luz suave que dá consolo. Nesta mesma cultura, o coração tem feridas; lentas, às vezes impossíveis de sarar; dir-se-ia que as feridas nele nunca se fecham porque têm um certo carácter activo, são feridas vivas, como feridas, das quais emana constantemente uma gota de sangue que impede a sua cicatrização. E, por último, o coração pesa; e é o pior, pode fazer sentir o seu peso, que equivale ao do universo inteiro, como se nele, pesasse a vida de alguém que, na vida, não pode já vivê-la. (...)
A Metáfora do Coração, Assírio & Alvim, Lisboa, 1993