domingo, 4 de outubro de 2009

Regressei de Lisboa, depois de uns dias fantásticos, e achei lindo a montra desta livraria. O respeito pelos livros de "culto" da editora & etc de Vitor Silva Tavares.
Situa-se no percurso "intelectual" da cidade - Rua da Misericórdia (onde viveu Luiza Neto Jorge), Rua do Combro (Livraria Letra Livre), Rua do Século, Rua Garrett ( com o famoso café A Brasileira e a escultura de Fernando Pessoa), Rua da Emenda (onde existe a editora &etc), Rua Anchieta ( aos Sábados banca de livros de várias editoras e livrarias), Praça de Camões, Rua da Trindade ( na esquina a Cotovia), Chiado etc.
Consegui adquirir um livro de 2000, de Unica Zurn, o famoso "O Homem Jasmim", publicado pela editora & etc . Unica Zurn viveu durante 15 anos com Hans Bellmer, e foi a sua grande inspiração na fase das bonecas amputadas e fragmentadas. Assim como para Unica Zurn, o contacto com Bellmer despoletou todo um mundo criativo de anagramas obsessivos e de histórias autobiográficas. Este relacionamento terminou com o suicídio de Unica Zurn. Atirou-se de uma janela do atelier de Bellmer, depois de vários internamentos e de fugas do real.


IN THE BED







Fotos de Graça Martins, 2009

AL BERTO

Eras novo ainda
mal sabias reconhecer os teus próprios erros
e o uso violento que de noite eu fazia deles

...esta cama de minerais acesos...
escrevo para despertar a fera de sol pelo corpo
escorrem aves de cuspo para a adolescência da boca
e junto ao mar existe ainda aquele lugar perdido
onde a memória te imobilizou...

enumero as casas abandonadas ao sangue dos répteis
surpreendo-te quando me surpreendes...
...pela janela espio a paisagem destruída
e o coração triste dos pássaros treme...

quando escrevo mar
o mar todo entra pela janela
onde debruço a noite do rosto tocado...me despeço

CESARE PAVESE

Paisagem VIII

As recordações começam ao cair da tarde
com o hálito do vento a erguer o rosto
e a escutar a voz do rio. A água
é a mesma, na escuridão, dos anos mortos.

No silêncio da escuridão eleva-se um murmúrio
onde passam vozes e risos distantes;
acompanha o rumor uma cor inútil,
de sol, margens e olhos claros.
Um verão de vozes. Cada rosto contém
como um fruto maduro um sabor passado.

Cada olhar que volta conserva um gosto
a erva e a coisas impregnadas de pôr-do-sol
na praia. Conserva um hálito de mar.
Como um mar nocturno é esta vaga sombra
de ânsias e arrepios antigos, que o céu roça
e que volta ao fim de cada dia. As vozes mortas
assemelham-se à rebentação daquele mar.