domingo, 13 de junho de 2010

Fragmento do POSFÁCIO de JOSÉ MIGUEL SILVA publicado na Antologia de poemas de MANUEL DE FREITAS - A ÚLTIMA PORTA - ASSÍRIO & ALVIM, 2010

(...) Tal como em Raul Brandão, o que a voz de Manuel de Freitas nos comunica não é um puritano horror pelo mundo e pela brilhante superfície das coisas, mas antes uma repugnância pelo facto de a vida aparecer inevitavelmente contaminada pela morte. Essa repugnância, porém, e ao contrário do que sucede nas mais variadas formas de pensamento religioso, não desemboca numa depreciação da vida mas numa espécie de amor rancoroso pela mesma, um amor desesperado e sem saída. O sentimento de quem sabe que ama apenas uma sombra, e que apenas sombras podemos amar. Por muito que eventualmente o desejasse, Manuel de Freitas não poderia dizer como Sophia de Mello Breyner, «Nunca amarei quem não possa viver/Sempre». É admissível, assim, atribuir à flânerie do sujeito poético o propósito de uma piedosa contagem de existências, da qual emergirá depois uma poesia feita de assentamentos para memória futura («Reúno/numa espécie de voz/esses estilhaços»), uma poesia na qual a repetida nomeação de pessoas e lugares seria como uma inútil oração por uma ideia de permanência. E é desse canto por tudo o que vai morrer (a começar por si mesmo), ou que já morreu, que deriva muita da força e da espessura emocional desta poesia. (...)

Sem comentários: