quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

HELENA ALMEIDA

Uma ARTISTA que muito admiro






HELENA ALMEIDA




















Poema de DIEGO DONCEL

A PRESENÇA DA ANGÚSTIA

1

Tal como caem os dias assim sobre esta terra
está a cair a angústia sobre o meu coração.
E cheios de velhice ficam os campos,
e a vida solitária e escura
como essas nuvens mortas que atravessam
o céu e às quais o tempo vai enchendo
de pó e de sombras nesta tarde de outono.

Tudo tem o seu fim e o seu destino escrito obscuramente.

E no mundo do homem que vivo
na mesma que no mundo humilde da terra
marcados vão os seres pela vida
ensinando-se a morrer. Bebem fogo de amor
noutra carne enferma, gozam a delícia
quando esquecem o seu mal, geram sonho de deuses
e nenhum pensamento os consola.

O terror é a morte e também este universo
de existências que vivem junto de mim com o seu mistério.
A terra, os pássaros, o rio, o homem
que via afadigar-se na luz foram
parte da minha alma, um vivo desejo
de unidade com o mundo
o qual com a sua presença purificava o meu íntimo.
Mas hoje, que é ontem e que eu não via,
a terra está árida de sol
debaixo das nuvens, os pássaros mostram o seu vasto
desalento nos altos ramos
com folhagens de cinza, o rio pedregoso volta
a dar-me o seu gosto de morte entre os juncos
e o homem, como eu, afundou-se
entre as sombras do medo e da loucura.
E não me basta ignorar, esquecer-me
de mim e do mundo quando ao destino
nada esquece, quando viver é cruel
e não sagrado. E sinto terror de mim
por existir, por me ver respirar, por contemplar
a minha miséria como um rumor mais do que vive.
Por ser o fruto
de uma natureza fatal.
O que vejo junto do meu corpo
é apenas desolação, uma desolação que sofre.
Há montes em solidão, e uma luz
que dá pobreza, e seres e coisas
que vivem marcados por um capricho celeste.

2

Tudo está só no meio do mundo
e nele só há formas sem sentido
a que dá alento a respiração da morte.

Agora vejo fúnebres no meu olhar
os bosques nos quais um dia
pus a descansar o meu coração,
e o que respiro perde-se
no ar do mundo sem que nada
os una.
Lá no alto o céu
agoniza a sua luz no lugar vazio
dos deuses e a humidade
das primeiras estrelas vai caindo
na minha alma como caem as ruínas
sobre o pó de um sonho.

Com os olhos queimados e humildes
olho entardecer o mar
e vejo como o lodaçal gelado das nuvens
devora o ouro da água e a tormenta
traz pastos e espaços calcinados à espuma
do meu coração.

Há algo velho em mim
que está velho no mundo, que vai apagando
o meu rosto com o musgo do cansaço,
que faz tremer as minhas mãos
debaixo do vazio celeste e pouco a pouco à vida
a vai enchendo de sal. Debaixo das sombras sinto apenas
náusea e terror de mim pois já não sou outra coisa
senão um animal devorado pelo tempo,
senão o lugar onde um homem e a sua razão
e os seus sonhos fracassam.

(...)

Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Trípticos Espanhois, 2º, RelógioD'Água, 2000, Lisboa