domingo, 13 de junho de 2010

PÁGINA 36 - Algumas páginas do LIVRO DE ARTISTA de ISABEL DE SÁ - 2009


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Fragmento do POSFÁCIO de JOSÉ MIGUEL SILVA publicado na Antologia de poemas de MANUEL DE FREITAS - A ÚLTIMA PORTA - ASSÍRIO & ALVIM, 2010

(...) Tal como em Raul Brandão, o que a voz de Manuel de Freitas nos comunica não é um puritano horror pelo mundo e pela brilhante superfície das coisas, mas antes uma repugnância pelo facto de a vida aparecer inevitavelmente contaminada pela morte. Essa repugnância, porém, e ao contrário do que sucede nas mais variadas formas de pensamento religioso, não desemboca numa depreciação da vida mas numa espécie de amor rancoroso pela mesma, um amor desesperado e sem saída. O sentimento de quem sabe que ama apenas uma sombra, e que apenas sombras podemos amar. Por muito que eventualmente o desejasse, Manuel de Freitas não poderia dizer como Sophia de Mello Breyner, «Nunca amarei quem não possa viver/Sempre». É admissível, assim, atribuir à flânerie do sujeito poético o propósito de uma piedosa contagem de existências, da qual emergirá depois uma poesia feita de assentamentos para memória futura («Reúno/numa espécie de voz/esses estilhaços»), uma poesia na qual a repetida nomeação de pessoas e lugares seria como uma inútil oração por uma ideia de permanência. E é desse canto por tudo o que vai morrer (a começar por si mesmo), ou que já morreu, que deriva muita da força e da espessura emocional desta poesia. (...)

Poema de MANUEL DE FREITAS

NEXT TO NOTHING


Não acordei com o teu corpo,
mas com um verso
que me parece agora
o mais triste do mundo:
Le tuve tan cerca.

Foi verdade, foi tão depressa
mentira - acabarmos juntos
no último bar. Ou apertar-te
em plena desrazão os ombros,
o pescoço baixo,
a cor indecisa dos cabelos.
Enquanto se partem tão
tristes os tristes copos
que nessa noite derrubei - e eras tu.

Não sei o que te disse, que
outras partes de quem foste
toquei ou perdi. De quaquer modo,
perdi. E foi, só podia ser,
demasiado triste: dois corpos
que ninguém via desciam a Rua
da Misericórdia, já perto da manhã.
Aquela nenhuma distância
não pôde ser um beijo. Apenas derrota,
ressaca, mais uma canção sem nós.

Tu não sabes - e ainda bem - que
este homem te desejou todas as noites,
até que fechasse o bar. Este homem
que não deseja e que tem,
infelizmente , um nome igual ao meu.

Da próxima vez, quero estar menos
bêbado, saber se apanhámos
ou não o mesmo táxi. Mas
«da próxima vez» nunca existirá.



A ÚLTIMA PORTA, selecção e posfácio de José Miguel Silva, ASSÍRIO & ALVIM, 2010

Página 79 do LIVRO DE ARTISTA de ISABEL DE SÁ