domingo, 8 de agosto de 2010

Eros


LOVESONG

Ele amava-a e ela amava-o
Os beijos dele sorviam todo o passado e futuro dela ou pelo menos tentavam
Não havia nele outro apetite
Ela mordia-o roía-o sorvia
Queria-o inteiro dentro dela
Salvo e Seguro para sempre e sempre

...

Os sorrisos dele eram as mansardas de um palácio de fadas
Onde o mundo real nunca chegaria
Os sorrisos dela eram mordeduras de aranha
Por isso ele ficaria deitado e quieto enquanto ela tivesse fome
As palavras dele eram exércitos ocupantes
Os risos dela eram tentativas de homicídio
Os olhares dele eram balas punhais de vingança
Os relances dela eram fantasmas à esquina com segredos horríveis
Os suspiros dele eram chicotes e botas que calcavam
Os beijos dela eram homens de lei que escreviam sem parar
...

Os votos dela punham os olhos dele em formol
No fundo falso da gaveta secreta
Os uivos dos dois cravavam-se na parede
As suas cabeças separavam-se no sono como as duas metades
De um melão cortado, mas é difícil parar o amor

No seu sono entrelaçado trocavam braços e pernas
Nos seus sonhos os cérebros dos dois faziam do outro seu refém

De manhã vestiam o rosto um do outro

*Ted Hughes

* marido de Sylvia Plath



A imaginação é necessária para pensarmos sobre as coisas quando elas não estão presentes e ao nosso pensamento sobre as coisas quando o estão.

*Mary Warnock

*filósofa

You Don't know Love


LUZ

Como se enreda na luz o coração
à sombra dos seus mitos e de corpos
tão jovens que já de apercebidos
se movem para longe do nosso olhar
guardando a tábua rasa da ausência.
Como se enreda o coração no corpo
e sem palavras te abandona este poema
e sem razões te alucina e te aprisiona.
Como nos perdemos todos nesta luz
que os corpos trazem como coisa sua
e que só às vezes pousa no poema
e te deixa perdido e só à beira do lume.

Luís Filipe Castro Mendes

de A Ilha dos Mortos, Poesia Reunida (1985-1999)