sexta-feira, 13 de agosto de 2010


Agosto

1.
A tua pele fulminava
o que subsistia de claridade
e de vida.

Tornei-me exterior a tudo.
Os meus amigos reconhecem
mudanças subtis
e quando alguém
me olha, desvio-me.
Os canteiros secos, nas praças
exibem a proximidade da morte
como um aviso.

Temo a agressão silenciosa.
Estar contigo
foi perceber que a dor é definitiva.

Não sei se rejeito totalmente o mundo,
mas relaciono-me com ele
estranhamente.
Agora sei que a morte
pode vir de qualquer parte
em todos os segundos.

Vila Real. 28.8.09

João Borges

Uma ferida na existência

Deixa o dia cerrar fileiras
depois do cansaço reúne
em teu redor o seu fulgor
derradeiro.
Uma camisa aqui, a escova de dentes,
livros, no chão a alma
suficiente para novos lábios
desfazerem o ferido afecto.

A tua vida espalha-se como o mercúrio
solto há-de voltar a juntar-se
por virtude tua ou coragem

porque mesmo derrotado
o sonho é um abrigo iluminado pela inquietude,
uma ferida na existência.

Fernando Luís Sampaio

de Escadas de Incêndio

I - Credo quia absurdum

Creio na vastidão ilimitada dos amores humanos
esses amores que se fundem com os domínios
inelutáveis da dor: o amor, essa claridade
que não alcançou em nossos dias
a recôndita certeza dos deuses

Amores
frágeis sob o voo irisado das aves, amores
de uma noite profunda ou de uma tarde amena
entre o regaço de outras mãos. Amores
de um país onde tudo se esquece entre
uma aurora e outra.


Paulo Teixeira

de As Imaginações da Verdade