segunda-feira, 21 de março de 2011

Palavras do nosso GÉNIO - FERNANDO PESSOA neste DIA DA POESIA




Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.


POESIAS, Álvaro de Campos, edições Ática, Lisboa, 1978

21 DE MARÇO - DIA DA POESIA



JEAN ARTHUR RIMBAUD
Par delicatesse j'ai perdu ma vie










sábado, 19 de março de 2011


FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO



IMAGEM MINHA


Ficas a ler comprazida diante das rosas
silhueta que vislumbrei compus e reanimei.
Tinhas o perfil marcado cruamente pela luz,
as mãos claras no colo, os cabelos despojados
do brilho das cabeleiras soltas, mas juvenis
e sacudidos no início da tarde com alegria.
As páginas balouçavam do mesmo modo que as rosas
porque ao começar a tarde nos dias de Verão
brisas e vapores estendem-se desde o mar
até às margens floridas. No teu banco
adornado por festões de rosas trepadeiras
afastas os olhos do livro não absorta
mas para sempre atraída por inúmeras imagens.


Três Rostos, Assírio & Alvim, 1989

quinta-feira, 17 de março de 2011

Bibliotecas











MANUEL ANTÓNIO PINA



NA BIBLIOTECA


O que não pode ser dito
guarda um silêncio
feito de palavras
diante do poema, que chega sempre demasiadamente tarde,

quando já a incerteza
e o medo se consomem
em metros alexandrinos.
Na biblioteca, em cada livro,

em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,

as palavras dormem talvez,
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram deuses.

Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
E, incapaz de suportar sózinho a vida, canta.


CUIDADOS INTENSIVOS, Afrontamento, Porto, 1994

Ralph Eugene Meatyard







Poema de FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO



POETAS DO AMOR


Senão todos algum


de nós reproduz diversos os mesmos lugares

E aquela que entra no verso para o percorrer

atrás da tua sombra serei eu.



Poemas de Amor, Antologia de poesia portuguesa, Organização e Prefácio de Inês Pedrosa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2001

Um poema de EDUARDA CHIOTE



NA MAIS PROFUNDA ESCURIDÃO

Estás a meu lado vendo-me desnecessariamente
sofrer, tu que possuis a cápsula de cianeto e me prometeste ajuda,
negas-te, neste momento, a testemunhar
a minha agonia.
Ironia maior
na medida em que sabes que não há (para mim) qualquer
recurso: que escrever perdeu todo o sentido.
Duro, muito duro.

Como usas desprezar-me tanto: dizer-me que é agora
que a memória de mim
começa a interrogar-te?
É certo. Assististe ao meu adiado
aniquilamento - não quero falar dele. Este
parecia durar além da náusea; pois o que privava das forças
fazia-me ausentar da sua queixa - sempre tão retida
e repetida.
Eu. Precisava, mais que nunca, do teu corpo.
E, nele, da impassibilidade de uma duração
sem termo. De dissimulá-la, talvez.
Em que momento me ignoraste?
A compaixão tem infinitas palavras Infinitos recursos: entram agora
em cena os do silêncio: cobre-me de pedras
e deixa que adormeça
monstruosamente - inacabado, para sempre, o
susto. E não queiras entender-lhe o lado
mais escuro.



ÓRGÃOS EPISTOLARES, Edições Afrontamento, Porto, 2010

AVE MARIA - SCHUBERT

quarta-feira, 16 de março de 2011



Dois Poemas de Natália Correia



De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.



O ESPÍRITO


Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

NATÁLIA CORREIA "Não sou daqui das praias da tristeza do insone jardim dos glaciares" Cântico do País Imerso - VIII

NATÁLIA CORREIA - 18 APÓS A SUA MORTE

terça-feira, 15 de março de 2011

ESPINHOS


TEXTOS PARA NADA



Só as palavras rompem o silêncio, tudo o resto se calou. Se eu me calasse nunca mais ouviria nada. Mas se eu me calasse os outros ruídos começariam, aqueles aos quais as palavras me tornaram surdos, ou que cessaram realmente.


Samuel Beckett

domingo, 13 de março de 2011

Olhando pelo retrovisor de McLuhan


ALEXANDRIA - Rua do Século, Lisboa

O último dos meus três textos sobre “caça” aos livros acaba de ser publicado na revista Os Meus Livros de Dezembro (páginas 34-35). Desta feita, abordei alguns dos alfarrabistas que conheço e que primam por bom serviço e excelentes catálogos. Nestes terei de incluir, a posteriori, a livraria Alexandria, à Rua do Século, 11 (ali mesmo ao lado da livraria da Alêtheia). Tinha já notado os bons livros que levavam ao Anchieta nos Sábados, e decidi dar lá um salto há dias, acabando por ter uma excelente conversa com o livreiro Nuno Franco sobre leilões de livros, Victor Palla, livros de fotografia e um cartaz de Herbert Matter que ele vendeu à Christie’s. Nas estantes, alguns livros a pedirem um regresso e mais atenção, e, sob o tampo de vidro da mesa, um exemplar da edição original de Lisboa Cidade Triste e Alegre. O espaço é pequeno e o horário limitado (das 16 às 19 horas), mas a visita é mesmo obrigatória.
Texto de Pedro Marques a propósito de uma visita que fez ao alfarrabista NUNO FRANCO