quinta-feira, 17 de março de 2011

MANUEL ANTÓNIO PINA



NA BIBLIOTECA


O que não pode ser dito
guarda um silêncio
feito de palavras
diante do poema, que chega sempre demasiadamente tarde,

quando já a incerteza
e o medo se consomem
em metros alexandrinos.
Na biblioteca, em cada livro,

em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,

as palavras dormem talvez,
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram deuses.

Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
E, incapaz de suportar sózinho a vida, canta.


CUIDADOS INTENSIVOS, Afrontamento, Porto, 1994

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