terça-feira, 18 de outubro de 2011

A propósito da relação de Fernando Pessoa com Ofélia

«Agradeço a sua carta. Ela trouxe-me pena e alívio ao mesmo tempo.
Pena, porque estas coisas fazem sempre pena; alívio, porque, na verdade, a única solução é essa - o não prolongarmos mais uma situação que não tem já justificação do amor, nem de uma parte nem de outra.»

Ter Ofélia enquanto mulher, com corpo, desejo e sexo, implicaria outro nível de intimidade, que Pessoa parecia temer, como referido. Aliás, a infantilidade que caracteriza a vida amorosa do poeta só poderia ser preservada mantendo Ofélia como um «bebé» - banindo o erotismo (evitamento que poderia durar mais quanto tempo?) - e prosseguindo o amor que os unia como maternal. Assim, nessa mesma carta de despedida, Pessoa sugere:

«Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco como meninos, e (...) conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inútil.»

Foi assim que o Super-Camões viu - ou pretendeu ver - o seu relacionamento com Ofélia. Como um «amor de meninos». « Inútil». Sem sexo. Inconsequente e desresponsabilizante, já que o amor adulto pressupõe reciprocidade.

Maníacos de Qualidade, Joana Amaral Dias, editora A Esfera dos Livros, Lisboa, 2010

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