sábado, 13 de agosto de 2011


Poema de JOÃO BORGES


INUNDAÇÃO
I’ve got these feelings and I don´t know why
I see all my fears in the darkness of light.
What made the river so cold?
John Douglas
Apesar do prenúncio do verão,
a chuva inunda a casa,
derruba os objectos e perde-os.
Chega depois às páginas,
levanta a tinta das palavras,
apaga suavemente a marca
de cada vez que te odiei ou
amei, como apaga também
a esperança de poder viver
nesta casa onde me afogo.

E eu queria levantar-me,
salvar as coisas, os livros que
foram a muralha contra o isolamento
mas estou aqui, de pé, parado,
a sentir a água subindo pelo
meu corpo, tão fria
como se me preparasse
para um longo sono onde
outra vez te irei beijar.




Lisboa, 13.5.11

Poema de ISABEL DE SÁ

RISCO


Experienciar a literatura faz da vida uma espécie de ensaio particularmente ameaçado. Soberano, o poeta fala-nos de uma intimidade cheia de dúvidas. O desejo de absoluto vota ao fracasso um empreendimento demasiado grave. Provocar o desenlace entre o espírito e a matéria é um risco.

O Avesso do Rosto, Editorial Caminho, Lisboa, 1991

Joop Lieverse - Maria in Rain


Poema de ISABEL DE SÁ


DECLÍNIO


O que faz o poeta separar-se do real é a decisão de se tornar concreto para a escrita. Se eu quiser esconder o que sou, recai sobre mim o poderoso rosto da imagem dilacerada.
Invoco o encanto do livro onde sei que as palavras são fugidias, mas isso não atenua o brutal declínio.


O Avesso do Rosto, Editorial Caminho, Lisboa, 1991