segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O POETA EVADIDO

Caiu mais um degrau
cerrou-se a cortina
Cesariny morreu
isso que interessa?
portugal não deita luto por poetas
está de nojo por si
e não sofre outros mortos
o cadáver pesa-lhe no arrasto
já lhe basta a sua cremação
clamar por defuntos
adicionando cestas de mirto
coroas de ligaduras
gordos pêsames de trampolim
enumerar quem ocorreu à urna
do poeta evadido
é coisa de jornais
a portugal sobra o arrestado tempo
a ínfima discórdia
sôfrega quimera tentando corrigir
artríticos motetes
ancorar o sem número de falhas
o sem número de redes
armar lázaros em jogadores de golfe
enxofres visam nos cotos
gangrenas terminais
próteses ganham ferrugem
nas repartições
canis cerceiam rasgos
desossam vocações
gestores espezinham
tão pobres armistícios
azedando no copo
tinge-se a nata
vira-se a tina
esgarra-se a toga
suja-se a mão
evade-se o poeta
e portugal cá fica
lambendo perras feridas
encosta-se às fracturas
e roça nas paredes onde escarram ANGST
enquanto espera
na sopa do sidónio.


Fátima Maldonado

VIDA EXTENUADA, Edições &etc, Lisboa, 2008