sábado, 10 de dezembro de 2011

O AMIGO QUE DORME


Que vamos dizer esta noite ao amigo que dorme?
Sobem-nos aos lábios palavras frágeis
de um atroz sofrimento. Vamos olhar para ele,
para os seus lábios inúteis que permanecem silenciosos,
e falar baixinho.


A noite terá o rosto
da antiga dor que todas as tardes renasce
impassível e viva. O silêncio longínquo
sofrerá como uma alma, mudo, no escuro.
Vamos dirigir-nos à noite que respira baixinho.


Ouviremos os instantes a ressumar no escuro
para lá das coisas, na espera ansiosa da manhã,
que aparecerá de repente a imprimir as coisas
no silêncio morto. A luz inútil
descobrirá o rosto estático do dia. Os instantes
calar-se-ão. E as coisas falarão baixinho.


20 de Outubro de 1937

Cesare Pavese

O VÍCIO ABSURDO, &etc, 1990
DIAS DE 1993


Não voltei a encontrá-los - esses tão depressa perdidos....
esses olhos poéticos, esse pálido
rosto....no anoitecer da rua....


Não os encontrei mais - aos adquiridos inteiramente por acaso,
que tão facilmente deixei;
e que depois com ansiedade queria.
Esses olhos poéticos, esse pálido rosto,
aqueles lábios não os encontrei mais.


Konstandinos Kavafis



Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis, Relógio D'Água, 1994