quarta-feira, 20 de junho de 2012

Guillaume Pelloux

Poema de Sylvia Plath

PALAVRAS


Machados,
Após cada pancada sua a madeira range,
E os ecos!
São ecos que viajam
Do centro para fora como cavalos.

A seiva
Brota como lágrimas, como a
Água a esforçar-se
Por recompor o seu espelho
Sobre a rocha

Que pinga e se transforma,
Uma caveira branca
Comida pelas ervas daninhas.
Anos mais tarde
Encontro-as no caminho -

Palavras secas e indomáveis,
Infatigável som de cascos no chão.
Enquanto
Do fundo do charco estrelas fixas
Governam uma vida.


Ariel, tradução de Maria Fernanda Borges, Relógio D'Água Editores, 1996, Lisboa

Poema de Isabel de Sá

DISFARCE


Frequentemente o rosto é máscara, disfarce. Mas de onde vem a luz que faz do muro espelho? Incessante, a vida procura clarificar aquilo que em nós é finito e nos arrasta em busca da perfeição. É sempre confuso penetrar na nova obra, enterrar nela o que somos sem calar a verdade. Desordem, crueldade ou artifício, tudo faz parte do naufrágio.As palavras desenrolam obscuramente o que existe.


Repetir o poema, (poesia reunida)Edições Quasi, 2005

quinta-feira, 14 de junho de 2012

HEART - Cara Barer

Poema de Sylvia Plath

OLMO

Para a Ruth Fainligth


Conheço o fundo, diz ela. Cheguei lá com a minha raiz maior:
É disso que tu tens medo.
Mas eu não tenho medo: já lá estive.


É o mar o que ouves em mim,
As suas insatisfações?
Ou a voz do nada que era a tua loucura?


O amor é uma sombra.
Como ficas prostrada e chorosa depois
Escuta: são os cascos dele: desapareceu como um cavalo.


Toda a noite a galopar, assim, impetuosamente,
Até que a tua cabeça fique uma pedra e a tua almofada um pequeno monte de turfa,
Fazendo eco, fazendo eco.


Ou deverei eu trazer-te um som de venenos?
Agora é a chuva, este silêncio.
E este é o seu fruto: da cor metálica do arsénico.


Tenho sofrido a atrocidade dos crepúsculos.
Queimados até à raiz
Os meus filamentos vermelhos ardem, ficam espetados,
mão de fios eléctricos.


Desfaço-me em bocados de caruma que voam em várias direcções.
Um vento tão violento
Não aguenta espectadores: Tenho de gritar.


Também da lua está ausente a piedade: Havia de arrastar-me
Cruel, na sua estirilidade.
O seu esplendor ofusca-me. Ou talvez a tenha agarrado.


Vou deixá-la ir. Vou deixá-la ir
Diminuida e esvaziada, como após uma operação radical.
Como os teus sonhos maus me possuem e alimentam.


Sou habitada por um grito.
Noite após noite bate asas
Procurando com as garras algo para amar.


Aterroriza-me esta coisa tenebrosa
Que dorme dentro de mim;
Todo o dia sinto o macio voltejar das suas penas, a sua malignidade.


As nuvens passam e dispersam-se.
Serão essas as faces do amor, esfumadas coisas que não se recuperam?
É por isto que perturbo o meu coração?


Sou incapaz de aprender mais.
O que é isto, este rosto
Tão assassino em seus tentáculos estranguladores?-


O seu ácido silvo de serpente.
Petrifica o desejo. Erros que isolam, essas falhas lentas
Que matam, e matam, e matam.




Ariel, tradução de Maria Fernanda Borges, Relógio D´Agua Editores, 1996.

domingo, 10 de junho de 2012

Anselm Kiefer

Poema de João Borges

Canção diante de uma porta fechada*

I


O começo do inverno trocou em chuva todas as coisas que ainda não disse. Tenho um projecto interminável para me convencer de que vale a pena este quarto vazio, este silêncio.


Diante de uma porta fechada, estou sentado e canto. Para a chuva, para o que está do outro lado.


Voltei para casa, seja isso onde for. Os fantasmas assombram os mesmos cantos do quarto, e a paisagem através da janela não se moveu ainda.


Este segredo



está tudo calmo agora que anoiteceu. Sozinho, converso com a Irene Lisboa
neste livro, mas sei que não posso perpetuar a conversa, porque me canso de ouvir só a minha voz.



Se fosse há dois anos, estaria a comer cereais sem leite com a Nita ou a fumar um charro com o Alex. Tudo isso está arrumado num qualquer canto da cabeça. É o vazio. É ainda diante desta porta fechada que a minha canção alterna entre a euforia do momento e a tristeza de já ter passado. É ainda atrás da porta fechada que está um motivo para cantar ainda.



Estendo as mãos à chuva torrencial e ao movimento dos dias.
Para continuar.



II


Quando era puto, corria muito. Nunca fui ágil, caía muitas vezes. É estranho imaginar-me pequeno, de cabelo curtinho e a correr. No verão andava de calções e esfolava quase sempre os joelhos. E lembro-me da minha mãe me desinfectar as feridas com álcool e betadine. Lembro-me do betadine a deslizar inesperadamente frio pela minha pele. Tinha a cor do sangue. E ardia.
Para mim, só dessa maneira fazia sentido ter feridas, dizer que me magoara, porque antes nem havia sangue suficiente para assim escorrer em abundância.
Não sabia,não podia saber, que a verdadeira dor e as feridas irreversíveis são limpas, sem sangue a escorrer nem pele esfolada para desinfectar com~álcool e betadine.
Agora sei.



6.10.09



*título de um livro de Agustina Bessa-Luís

in Brilho no Escuro nº3, edições Anjo da Guarda, Porto, 2009