domingo, 13 de janeiro de 2013

Jean- Arthur RIMBAUD - Uma Época no Inferno

 
Outrora, se estou bem lembrado, a minha vida era um festim em que todos os corações se abriam, em que todos os vinhos cintilavam.
Uma noite, sentei a Beleza nos meus joelhos.- E vi que era amarga.- E injuriei-a.
Armei-me contra a justiça.
Fugi. Ó feiticeiras, ó miséria, ó ódio, éreis vós a guarda do meu tesoiro?
Consegui destruir em mim toda a esperança. Contra toda a alegria lancei o bote cego da besta feroz. Estranguladas!
E chamei os carrascos para morder, na agonia, a coronha dos fuzis. Conjurei as pragas para sofucar na areia, mergulhar em sangue. O infortúnio foi meu vero deus. Estiracei-me na lama. Sequei ao ar do crime. E preguei boas partidas à loucura.
E a primavera trouxe-me a terrível risada do idiota.
Ora, últimamente, prestes a lançar à cara do planeta o derradeiro estalo, lembrei-me de ir buscar a chave do festim (talvez me regressasse o antigo apetite?).
Caridade - é a chave. Uma inspiração destas prova que sonhei.
«Permanecerás hiena, etc...», ruge o demónio que me coroava de tão amáveis papoilas. «Morre feliz ao lado dos teus apetites, com todo o teu egoismo, com todos os melhores pecados capitais.»
Ah! tomei tanto disso... - Mas, meu caro Satã, não carregueis tanto o sobrolho! e enquanto esperais ainda uma que outra miséria, vinda atrasada por motivo de obras, vós, que apreciais no escritor a mais selecta ausência de faculdades descritivas ou pedagógicas, aqui tendes para já, especialmente arrancadas, estas odiosas folhas do meu canhenho diário de danado.

Versão portuguesa, prefácio e notas de Mário Cesariny de Vasconcelos, Portugália Editora, Lisboa, 1960.


 

Enfrentar a Dor


Poema de Isabel de Sá




ENFRENTAR A DOR


 
Ao reler os poemas à memória voltam
dias gloriosos, as canções com palavras
simples, a praia, o Inverno e as casas
- exististe em quase tudo e agora
é penosa a separação.
Dia a dia envelhecemos, estou morta
sob a luz da Primavera e não consigo
agarrar a minha vida. Há este abandono,
a sensação de ruína, a ferida implacável
no olhar.
Há o cheiro a relva cortada dos jardins,
a temperatura amena. Passam as horas
dentro da minha morte
executo movimentos contra a inércia,
sei que tenho um ar sombrio
e deixei de existir nos teus braços.


 
 
Isabel de Sá


Repetir o Poema, edições Quasi, 2005.