terça-feira, 2 de julho de 2013

Fotos de Graça Martins


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O Silêncio dos Poetas - Alberto Pimenta

(...)

A palavra como barreira

Isto explica muitas coisas: explica antes do mais o motivo porque um dos temas mais insistentes da poesia moderna é o da limitação proveniente do facto de ter que exprimir-se e da concessão implícita nesse acto. Fernando Pessoa formulou-o de modo bem claro:

Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flôres
E cantos no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flôres e dos rios.

Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque sou só essa coisa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.

Não será este igualmente o significado do poema Kubla Khan  de S.T. Coleridge, aparentemente tão enigmático no seu conjunto de circunstâncias biográficas e instrumentais? O poema existia acabado e real no espírito do autor, mas perdeu-se no momento em que estava a ser escrito: perdeu-se por conseguinte no momento em que deveria estabelecer-se o compromisso com a expressão, o compromisso da experiência com a memória  (linguística) dessa experiência. Sartre, sempre generoso com os poetas, diz também:

«O poeta está fora da língua, vê as palavras ao contrário, como se não pertencesse à condição humana e, chegando junto dos homens, começasse por encontrar a palavra como uma barreira».

Esteticidade e comunicação

Quem com efeito busca conhecimento concreto, quem não se contenta com ver a «realidade» apenas reflectida no espelho dos símbolos (no espelho do eu?), forçosamente considera que o espelho é um obstáculo e dificilmente um caminho. Sendo assim, o grau de esteticidade de uma obra  literária está também na proporção inversa do seu compromisso com os símbolos apriorísticos, isto é, na proporção inversa da sua  aceitação da «realidade» presente (reflectida) nos ditos símbolos.
Resulta daqui que quanto maior é a esteticidade, tanto menor é o grau de comunicação «objectiva» desta arte e, por conseguinte, tanto menor é a sua aceitação por parte do público,  o qual não costuma dispor-se facilmente a abandonar a harmonia simbólica pré-estabelecida do seu conhecimento. Sucede então o que Bourdieu define assim:

«É por isso que os observadores menos cultos das nossas sociedades têm tanto a tendência de exigir uma 'representação realista'; como não dispõem  das categorias específicas de apreensão, aplicam às obras de arte conhecidas a mesma chave que lhes serve para atribuir um sentido aos objectos da vida cotidiana».


Ensaios, A Regra do Jogo, 1978, Lisboa.