quinta-feira, 10 de setembro de 2015

VERGONHA (de Bergman) no Poema de Isabel de Sá! A POESIA antecipa os acontecimentos como a ARTE, na generalidade. Há POETAS intemporais e outros que não sobrevivem ao tempo!


IMAGENS


Imagens de seres humanos...
boiam nos rios como bonecos
de plástico. É a Vergonha
a toda a hora na televisão.
Os soldados abrem valas comuns,
as escavadoras levantam corpos
que se despedaçam. Não vão esquecer,
nunca mais dormirão como dantes.
O cheiro, os abutres
na berma da estrada a criança
só que ninguém vê. Deve ser
o fim do Mundo ou o princípio
de qualquer outra coisa.


Isabel de Sá

 in Erosão de Sentimentos, Editorial Caminho, Lisboa, 1997.

 

Anselm Kiefer



Poema de Isabel de Sá

Dizei às crianças que venham com seus trajes fúnebres, grinaldas, tudo branco.
Dizei-lhes que subam sem receio as escadas do meu sono
porque amo as crianças nos rituais de morte....

in Esqizo/Frenia, &etc, Lisboa, 1979.
 

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Poema de Isabel de Sá

Fui à rua buscar a morte que andava desaustinada pelas paredes como um cão raivoso. Ofereci-lhe o braço, trouxe-a comigo, fi-la minha amante. Num leito de linho nos deitámos e em segredo me falou dias seguidos sobre a sua infância, a solidão debaixo da terra, o amor pela natureza. Explicou-me como acariciava os bichos comedores de cadáveres e dessa alegria maliciosa.
A morte passou a ter para mim muita importância. Comecei a vesti-la de alvas roupas, coser-lhe flores ao crânio, amando-lhe a face lívida, iniciando-a numa sensualidade sem fim.
Então, numa manhã a Morte sorriu mostrando nos seus lábios o seu carácter perfeito, isento de mesquinhez; beijou-me a boca, as pernas, o coração. Perturbou-me.
No meu interior países fervilharam, milhões de rostos se viraram à luz:
Tudo era claro como nunca sucedera.
Começara outra vida: dera-se a iluminação.

In Esquizo Frenia, &etc, Lisboa, 1979.

Anselm Kiefer