sábado, 1 de janeiro de 2011

HAMLET de SHAKSPEARE - a Rainha comunica o afogamento de OFÉLIA.

Entra a Rainha.

RAINHA

Uma desgraça nunca vem só!
Uma doutra logo vem no encalço
E logo a seguir: Vossa irmã, Laertes, afogou-se.

LAERTES

Afogada!? Oh! Aonde?

RAINHA

Há um salgueiro à beira de um regato
No cristal da corrente espelhando encanecidas folhas;
Aí foi ela dar com estranhas grinaldas
De rainúnculos, urtigas, margaridas
E das grandes flores purpúreas a que os pastores
De língua solta dão um nome feio
E as nossas raparigas chamam dedos de mortos;
Sua estranha fantástica coroa,
Quebrou-se um tronco invejoso
E ela e seus trofeus floridos
Caíram no regato em pranto!
Enfunaram-se-lhe os vestidos sustendo-a e
Qual nova sereia, cantava velhos cantares,
Pedaços de canções antigas, sempre alheada
De por onde ia ou como criatura
Nativa dessas águas. Mas não foi longe:
Suas vestes empapadas de água
Levaram donzela e seus melodiosos lais
À morte no lodo.

(Quarto acto, Hamlet de Shakespeare, tradução de José Blanc De Portugal, Editorial Presença, 1973


Poema publicado no catálogo Metamorfoses de Graça Martins

Ela vem do exterior, arrasta tumultos, ideias, um frágil ramo de árvore. A vida confusa, dividida. Aquilo que é interior e nasce involuntáriamente. Violetas deixadas em água, o desenho incompleto para sempre inútil.
Dizia: Tenho que organizar. Como um esquema. São fotografias. Catalogar. O tempo. Perco-me. Um pormenor, muitas vezes só um pormenor. Não sei como sair de tantos fios.
O instante poético abre caminhos, a fita de veludo prende uma chave. Máscaras de cal quase gesso de tão pouco móveis. Lábios de carmim. Objectos de infância e de morte.
Debruçava-se sobre a imensa folha - redemoinho impossível. A música. O insecto azul-violeta fixo de encontro à parede. A moldura doirada e negra. Um sinal fúnebre. A asa de veludo em relevos aquáticos; o tom insidiosamente devorado pela luz. A bola de cristal ainda na memória.
1981
ISABEL DE SÁ