Uma ARTISTA que muito admiro
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVqCv9tjdckeRX5UADVswcQeSVyUD6826OByz23pVZxR_QXIgDzSyo8nKmZ3Vy0oez8HDyoXrFi9gktZ_DE9anQSxgk5FlDxLKu5LJumRl6qHuZVDWdjrlx9jCpdHT1bBvHxYYxtrscPk/s400/images.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiB4c1b_2xKhiyQGcbkwz7Mmr41gQCXW22vloc1Qx6HDEJwyCkKzpdB2fIWd-BklYfAoTVDg54mWChK98G-CqxTX_9lyv-fLWnF7vvAGPZ1NrQ9wLHd8NuJLxV8jS6mIYVXfnc4PysfuCY/s400/halmeida1.jpg)
HELENA ALMEIDA
A PRESENÇA DA ANGÚSTIA1Tal como caem os dias assim sobre esta terraestá a cair a angústia sobre o meu coração.E cheios de velhice ficam os campos,e a vida solitária e escuracomo essas nuvens mortas que atravessamo céu e às quais o tempo vai enchendode pó e de sombras nesta tarde de outono.Tudo tem o seu fim e o seu destino escrito obscuramente.E no mundo do homem que vivona mesma que no mundo humilde da terramarcados vão os seres pela vidaensinando-se a morrer. Bebem fogo de amornoutra carne enferma, gozam a delíciaquando esquecem o seu mal, geram sonho de deusese nenhum pensamento os consola.O terror é a morte e também este universode existências que vivem junto de mim com o seu mistério.A terra, os pássaros, o rio, o homemque via afadigar-se na luz foramparte da minha alma, um vivo desejode unidade com o mundoo qual com a sua presença purificava o meu íntimo.Mas hoje, que é ontem e que eu não via, a terra está árida de soldebaixo das nuvens, os pássaros mostram o seu vastodesalento nos altos ramoscom folhagens de cinza, o rio pedregoso voltaa dar-me o seu gosto de morte entre os juncose o homem, como eu, afundou-seentre as sombras do medo e da loucura.E não me basta ignorar, esquecer-mede mim e do mundo quando ao destinonada esquece, quando viver é cruele não sagrado. E sinto terror de mimpor existir, por me ver respirar, por contemplara minha miséria como um rumor mais do que vive.Por ser o frutode uma natureza fatal.O que vejo junto do meu corpoé apenas desolação, uma desolação que sofre.Há montes em solidão, e uma luzque dá pobreza, e seres e coisasque vivem marcados por um capricho celeste.2Tudo está só no meio do mundoe nele só há formas sem sentidoa que dá alento a respiração da morte.Agora vejo fúnebres no meu olharos bosques nos quais um dia pus a descansar o meu coração,e o que respiro perde-seno ar do mundo sem que nadaos una.Lá no alto o céuagoniza a sua luz no lugar vaziodos deuses e a humidadedas primeiras estrelas vai caindona minha alma como caem as ruínassobre o pó de um sonho.Com os olhos queimados e humildesolho entardecer o mare vejo como o lodaçal gelado das nuvensdevora o ouro da água e a tormentatraz pastos e espaços calcinados à espumado meu coração.Há algo velho em mimque está velho no mundo, que vai apagandoo meu rosto com o musgo do cansaço,que faz tremer as minhas mãosdebaixo do vazio celeste e pouco a pouco à vidaa vai enchendo de sal. Debaixo das sombras sinto apenasnáusea e terror de mim pois já não sou outra coisasenão um animal devorado pelo tempo,senão o lugar onde um homem e a sua razãoe os seus sonhos fracassam.(...)Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Trípticos Espanhois, 2º, RelógioD'Água, 2000, Lisboa