domingo, 7 de setembro de 2008

Poema de ISABEL DE SÁ

Naquele Novembro
Na véspera dos meus trinta e oito anos pensei nos poemas de Ruy Belo. E também eu quis escrever "Homenageio a tua primavera em flor". Passei o dia a desejar-te, amei o corpo adolescente.
À luz do candeiro eu e ela falamos da nostalgia que virá por estas horas passadas junto à praia, pela imagem dos grãos de areia na sombra fulva que te cobre o sexo.
Nossos corpos perpetuam o amor, as palavras que celebram o encontro. O meu gesto, naquele Novembro em que a morte visitou as nossas vidas.

Repetir o Poema, Quasi Edições, 2005

Pintura de Gustav Klimt
O Menino e a Boneca de Graça Martins


Caixa de Bonecas de Graça Martins


HANS BELLMER


AS BONECAS DE HANS BELLMER

O mais fascinante - ou chocante - nas bonecas é a sua composição e alienação com o meio onde se inserem. Algumas têm apenas uma perna, ou quatro pernas e nenhuma cabeça, ou encontram-se penduradas ou intercruzadas entre si. Não existe fronteira no processo de construção narrativa das esculpturas sendo que se gravita entre um desprendimento e castração total do corpo e/ou matéria até uma corporalidade histérica e extremamente assimilativa entre orgãos e membros diversos. A ambivalência sexual destas peças é marcada por uma veia sádica e fetichista. Como se as bonecas funcionassem como um alter-ego de Bellmer no qual são projectadas as suas mais obscuras perversidades.Estes corpos plásticos e fragmentados são também personificações móveis, passíveis, adaptáveis, articuláveis e incompletos. Formas que assumem estados psicosexuais de pura obsessão. Bellmer procurava despertar a inocência da infância. O redescobrir do corpo e da sexualidade. Desde a aparição dos pêlos púbicos, às zonas avermelhadas e rosas e a sua função divertida no corpo de uma criança inconsciente. Este estado naïve das crianças a que ele chamava de "jardim maravilhoso" era um fascinante motivo de estudo e curiosidade. Era também um caso mal resolvido de atracção sexual entre o artista e a prima Ursula de 15 anos. As bonecas foram o resultado criativo dessa sublimação sexual.Ao criar as bonecas Bellmer deu igualmente vida a uma homenagem ao corpo feminino, ainda que distorcido e manipulado, não deixava de levantar questões sobre as diferenças aparentes entre o físico masculino e o feminino.A brutalidade implícita nestas esculturas é evidente. Sugerem maus-tratos, violação ou abuso. A pergunta que perdura é: quem é responsável pela nudez e condição destas bonecas? A coexistência entre o perverso e o banal sugerem um roubo da inocência contida em brinquedos e ambientes infantis, algo que à partida se espera ver puro e imaculado. Livre de violência. Como se o confronto com estas imagens alertasse para a fácil usurpação simbólica da virgindade destes objectos e dos espaços fotografados.Tanto ou mais interessante que as suas bonecas, Hans Bellmer desenvolve uma teoria que procura explicar a anatomia do corpo inconsciente. A constituição humana é naturalmente propicia a que determinadas zonas se encontrem escondidas ou pouco acessíveis, o artista adverte que uma vez pervertendo esta concepção racional e deformando a nossa anatomia original, seria bem passível de se trocar algumas zonas por outras que tivessem a mesma representação simbólica. A zona axilar pela pélvica, por exemplo. Esta transgressão orgânica de zonas erógenas era explicada por Bellmer pela mesma razão que pessoas amputadas sentem um registo e sensação de membros desaparecidos. As imagens dos membros em falta são suprimidas fisicamente, mas a nível psíquico continuam a exercer efeitos activos e psicossomáticos. A comprovação da inseparabilidade entre corpo e mente.Desiludido com o mundo, num lugar onde a transgressão e o imaginário têm lugar, Bellmer teve a capacidade de catapultar as suas criações para além de um universo fantasioso de um mestre Gepeto construindo o seu Pinóquio. As bonecas expõem abertamente um desejo libidinoso contido num estado híbrido que deambula entre o real e o virtual.O que torna ameaçadoras estas criações não é a fragmentação do corpo mas antes o que está escondido no escuro da psique de Bellmer. A realização das suas paixões suprimidas ganham forma e deixam de ser um mapeamento cognitivo passando a ser algo factualmente real - embora inerte - do desejo violento de um homem em trazer a este mundo algo interior e expor esse desejo abertamente. Trata-se dum confronto e identificação do desejo. Um estudo surreal de uma profundidade negra mas patente em cada um de nós. É perturbador, mas ao mesmo tempo familiar. Olhar sobre as bonecas e admitir a sua beleza artística equivale a uma transcendência de bem e de mal, é uma anulação da repressão sexual.Afinal, não serão estas bonecas bem menos ofensivas que qualquer filme porno? Onde está então a violência? Na arte, ou implícita no observador?Este estilo que procura fugir à lógica forçando a livre associação não passa de um apêndice de configuração doente e duvidosa do mundo onde vivemos. De uma erotização degenerada. Não há sangue, tripas, é apenas trágico e dramático. Demasiado real? Objectos inanimados com capacidades ultra-realistas. Mas Bellmer explica-se bem, "se a origem do meu trabalho é um escândalo, é porque, para mim, o mundo é um escândalo."
Texto retirado do blog Absurd Moment


Uma das primeiras bonecas


As Bonecas de Bellmer

"Eu penso que as diferentes categorias de expressão - postura, movimento gesto, acção, som, palavra, imagem visual, disposição dos objectos - nascem todas do mesmo mecanismo, e que a sua origem apresenta uma estrutura similar."
Hans Bellmer
A imaginação erótica do artista alemão Hans Bellmer data do início dos anos 20, altura em que trabalhava como ilustrador e designer gráfico para companhias editoriais em Berlim.
O tema central da sua obra, a erotização do corpo e o interesse por raparigas mecânicas, coincide com a idealização surrealista da feminilidade infantil e inocente. A mente inalterada, pura e instantânea. Este era o assunto que inspirava o estilo e revolta do movimento surrealista que procurava contornar as forças do racionalismo. Debate que anos mais tarde Bellmer iria apropriar-se ao entrar em contacto com os intelectuais parisienses ligados a André Breton. A primeira boneca (Die Puppe) surgiu em 1933. A aparição das bonecas na vida de Bellmer deu-se por três motivos: um encontro com uma prima afastada, Ursula Naguschewski, que foi viver para Berlim em 1932; assistir a uma performance de Jacques Offenbach's "Tales of Hoffmann", em que o protagonista se apaixona tragicamente pela autómata Olympia, e um descarregamento de uma caixa de brinquedos enviada pela mãe de Bellmer deixando-o em extâse.Fascinado com a nostalgia e saudade de tempos passados Bellmer adquiriu uma necessidade de "construir uma rapariga artificial com possibilidades anatómicas. Capaz de reinventar os maiores níveis de paixão e de estimular novos desejos".E assim foi. Bellmer pediu auxílio à prima e juntos tiraram mais de 100 fotografias de bonecas desmembradas usando um formato narrativo em que as esculturas seriam posicionadas de forma a criarem configurações grotescamente sexuais e altamente provocatórias. As bonecas viam-se inseridas em diferentes cenários do mais surrealista imaginário. As imagens resultantes suscitavam um misto de atracção e repulsa. Uma beleza mórbida contida na decadência urbana, erotismo e abuso físico. As bonecas eram também uma arma de combate cerrado ao fascismo da época corrente. Reminiscências de uma cultura que não foi engolida de ânimo leve por Bellmer que passou a utilizar os seus brinquedos de criança para deformar em corpos mutilados de jovens inanimadas.Esta revolta não se tratava de uma simples reprodução do genocídio nazi mas antes de uma ofensiva crítica a uma ideologia do perfeito e puro. A aparência das bonecas assemelha-se a autómatos desequilibrados, reproduções humanas de contornos roliços, e mesmo fálicos, ou simplesmente seres mecanizados sem força motora para agir, nem capacidade para lutar pela sua vida e dignidade.
AS BONECAS DE HANS BELLMER





sábado, 6 de setembro de 2008

PETER HUJAR

FOTOS FANTÁSTICAS








OS HEROIS DE

PETER HUJAR

Joseph Bheus

Beaudelaire

Oscar Wilde

Nietzsche

Susan Sontag

Rimbaud

Path Smith

Francis Bacon

Basquiat

e muitos outros

PETER HUJAR

Um dos mais importantes fotógrafos americanos das décadas de 70/80. Morreu em 1987
Conhecido pelas fotos de travestis como Divina e Candy Darling , cenas do universo gay e retratos de Susan Sontag e Andy Warhol.

Susan Sontag por Peter Hujar

Candy Darling por Peter Hujar

Andy Warhol por Peter Hujar

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Escuridão Sem Fim Pintura de ISABEL DE SÁ


Palavras para quê ? Pintura de ISABEL DE SÁ


Palavras para quê ?


Viagem Ao Fim da Noite de Louis-Ferdinand Céline

Viagem Ao Fim Da Noite é uma obra prima inovadora que nada perdeu nem na sua vitalidade surpreendente nem na capacidade de chocar. Aproximativamente autobiográfica, a narrativa na primeira pessoa segue as experiências do jovem narrador, Bardamu, primeiro um voluntário de 21 anos do exército francês no início da I Guerra Mundial, depois um médico competente na década de 30. Ao longo deste período, ele sofre um colapso nervoso, viaja para a África Central e os Estados Unidos, e regressa à França a fim de concluir a faculdade de Medicina. O romance é caracterizado por uma proza impertinente, vibrante e enérgica, imbuída de um humor sardónico e de um cinismo mordaz. Geralmente escrito num estilo lírico e eloquente, a narrativa fervilha de gírias, obscenidades e coloquialismos. Bardamu revela uma perspectiva intransigentemente crua da humanidade - "a espécie humana consiste de duas raças diferentes: os ricos e os pobres", afirma- e embora esteja sobretudo preocupado com os segundos, despreza a ambos. Na vida, tudo o que podemos esperar é o sofrimento, velhice e morte. Desse panorama sombrio, porém, Céline extrai um espantoso humor, que nunca cessa de entreter.

A influência deste romance original , anárquico e cáustico foi inestimável. - William Burrough é apenas um de entre os seus muitos admiradores. Na visão ácida de Céline sobre os desamparados vislumbramos um óbvio precursor dos anti-heróis pessimistas de Beckett. Em suma, eis um livro crucial para a compreensão do desenvolvimento do romance.

Anthony Leaker, estuda Literatura Americana e Europeia. Ensinou na Universidade de Paris

Quando não se tem imaginação, morrer é uma coisa de nada, quando se tem, morrer é demasiado

CÉLINE

Auto-retrato de MAPPLETHORPE


quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Duas fotos de JOÃO BORGES



Poema de MANUEL DE FREITAS

ODE À NOITE ( INTEIRA)

Gosto do momento, exacto ou nem isso,
em que se torna possível colar cartazes
nas paredes ao lado dos meus ombros (espero
o autocarro, vejo devagar, sorrio). Mas
gosto, sobretudo, dos cães quase sem dono
que roçam as esquinas, pisando restos de garrafas
-ou das pessoas que desconheço
e das bebidas todas que ignoro
(porque me matam menos e se chamam
-como eu - insónia, pesadelo, golpe baixo).

Existem, claro, raparigas louras um tanto
heterodoxas que não te apetece beijar
(a forca do bâton, perfeita - o cigarro aceso
pedindo outro lume). Essas mesmas que hão-de
um dia procriar com zelo, evitando rugas,
tumores e o mundo como representação misógena.
Mais lírica, sem dúvida, é a lavagem das ruas,
com a cerveja a premiar a farda
demasiado verde e os bigodes de serviço.

Outros, alguns, tornam concreto o torpor
de um charro e pedem-te em crioulo básico
um cigarro português que tu vais dar,
sem esforço nem palavras. Entre shots, piercings,
t-shirts de Guevara e gel, podes não acreditar
por algumas horas no axioma frágil do teu corpo.
Esfumas-te, como eles, no espelho de um bar
qualquer, país de enganos e baratas. E
quase gostas disso, quase: a música de punhais,
servil, um certo e procurado desencontro.
Um táxi te ensinará depois o caminho de casa
- ou o seu contrário, pois só ali (anónimo
e desfocado) eras finalmente tu, ou podias ser.

O resto, a vida, fica para outra vez.


quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O MEU ARQUITECTO PREFERIDO

FRANK GERHY


Sala de Concertos WALT DISNEY HALL -Los Angeles


MUSEU GUGGENHEIM DE BILBAO de FRANK GERHY

e a célebre "ARANHA" de LOUISE BOURGEOIS





ADEGA HOTEL de FRANK GERHY





Golden fish e o futurismo de frank Gerhy





O MEU ARQUITECTO PREFERIDO

FRANK GERHY

Arquitecto americano de origem canadiana. Nasceu em 28 de Fevereiro de 1929 em Toronto. Tem 78 anos. Gehry e é um dos principais representantes do desconstrutivismo, movimento arquitectónico surgido nos anos 70, que se caracteriza pela recusa dos princípios construtivos. Gehry combina de forma surpreendente os diferentes elementos da construção, diluindo as fronteiras entre os espaços interiores. Trabalha com frequência com materiais menos nobres, caso da chapa ondulada utilizada na construção de sua própria casa, em Santa Mônica (1975), que faz com que pareça ter sido transplantada de um bairro pobre da periferia das grandes cidades. O Museu do Desenho, em Weil Am Rhein (Alemanha, 1989), desenhado por Gehry, é uma construção de cubos montados entre si, como num tabuleiro de xadrez, que parecem desafiar as leis da gravidade. O California Aerospace Museum Los Angeles (1981-1984), de Gehry, é mundialmente conhecido. O Museu Guggenheim, feito em titânio,inaugurado em Bilbao em 1977, é considerado, por sua composição vanguardista, uma das obras arquitetónicas mais importantes deste séculoAs suas obras são facilmente reconhecidas, pois ele é arrojado, usa o metal e formas sinuosas. Estudou e formou-se em Harvard nos EUA. Foi o vencedor do Prêmio Pritzker, o Oscar da Arquitectura em 1989. Entre as suas obras famosas estão: o Disney Concert Hall em Los Angeles; a Casa Dançante, em Praga; a loja de Issey Miyake em NY; o Pavilhão Pritzker no Millennium Park em Chicago; a cafeteria do prédio Condé Nast em NY; e a sua própria casa, em Santa Mônica.Para o futuro, estão em projeto: a Foundation for Creation da Louis Vuitton em Paris; o Museu de Tolerância em Jerusalém; a Beekman Tower em NY; Museu da Biodiversidade no Panamá; Guggenhein Abu Dhabi (em parceria com Zaha Hadid); Museu de Arte de Filafélfia.
FRANK GERHY






terça-feira, 2 de setembro de 2008

A propósito de LILAC WINE na versão de JEFF BUCKLEY
que tanto apreciei e na voz de NINA SIMONE
Os Dom Rodrigos são para o Paulo e para o Jorge Fallorca
www.frenesi-livros.blogspot.com


DOIS POEMAS DE PAULO DA COSTA DOMINGOS

»Sometimes while a person is talking I step out my
shoes and, like a plant drifting with the current,
I begin the voyage of my rootless self.»
Henry Miller

Os meus sapatos ficaram junto à retrete nas traseiras
Se te mexeres dessa cama imunda podes encontrá-los lá
Vomitei-te o chão todo da marquise e olhava encandeado a flor no vaso sobre o parapeito
Sabias que eu lia nessa altura Henry Miller mas não me ajudaste a «dar o salto»
E agarravas-me à tua cumplicidade doméstica
E eu vomitei-te o chão da tua cozinha
Afinal os meus sapatos mal-cheirosos talvez estejam na dispensa, quando roubava rodelas de chouriço
E tu batias-me
E agora já ninguém tem mão em mim
Porque eu leio Henry Miller e oiço Bob Dylan dos primeiros tempos
A tua filha bebe Coca Cola estupidamente
Os Amantes correm o país de automóvel de parque de diversões, de Feira Popular
E a mim só tenho este papel apanhado nas escadas do metro e já me resta pouco tempo
Como queres que eu me saiba sentar à mesa?

10-9-977

Paulo da Costa Domingos, TRAVESTI, & etc, Lisboa
Eu sou a cabra que tu vês à esquina logo de manhã quando caminhas com o cabaz das compras e a criada atrás
Fui eu quem assaltou hoje a mercearia do sr. José, coitado, mesmo à tua porta, e que causou um alvoroço enorme
Eu arrastei a tua catraia tão sossegadinha à força para dentro duma escada e, acredita, nunca pensei que uma miúda já soubesse tanto
E passo acima-abaixo na tua rua rente à janela do teu lar à procura dum homem, tu és dos que chamam palavrões a este cio homoxessual e escondes a cara nas cortinas
Eu sou dos que perde os dias no café sem fazer nada, essa canalha
Deito-me com mulheres de qualquer idade e até faço amor com a tua filha
Tenho vícios astrais, a minha boca conhece a do anjo de Filadélfia
Visto-me de mulher, visto-me de homem, quando calha até me visto de coisa sonsa e hipócrita
Durante a noite ando aos caixotes, mergulho o nariz na náusea dos edifícios
E partilho das gamelas dos freaks desta cidade
Não me chateies mais com os teus problemas transcendentes
18-10-977
Paulo da Costa Domingos, TRAVESTI, & etc
Pintura de EGON SCHIELE
e interpretação de JULIANNE MOORE






segunda-feira, 1 de setembro de 2008


Escultura de GEORGE SEGAL


LOUISE BOURGEOIS fotografada por MAPPLETHORPE


Poema de LUÍS MIGUEL NAVA

NÃO MUITA VEZ

Não muita vez nos vemos, mas, se poucos
amigos há para falar
dos quais me sirvo de relâmpagos, de todos
é ele o que melhor vai com a minha fome.

Os dedos com que me tocou
persistem sob a pele, onde a memória os move.
Tacteiam, impolutos. Tantas vezes
o suor os traz consigo da memória, que não tenho
na pele poro através
do qual eles não procurem
sair quando transpiro. A pele é o espelho da memória

Instalação em Chicago de MAGDALENA ABAKANOWICS