
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Traduzidos por Eugénio de Andrade
GAZEL DO MENINO MORTO
Todas as tardes em Granada
todas as tardes morre um menino.
Todas as tardes a água se senta
a conversar com os seus amigos.
Os mortos levam asas de musgo.
O vento enevoado e o vento limpo
são dois faisões voando pelas torres,
e o dia , esse é um rapaz ferido.
Não ficava no ar nem fibra de calhandra
quando nos encontrámos nas grutas do vinho.
Não ficava na terra migalha de nuvens
quando tu te afogavas no rio.
Um gigante de água caiu sobre os montes
e o vale foi rodando com cães e com lírios.
Teu corpo, com a sombra violeta de meus dedos,
era, morto na margem, um arcanjo de frio.
A noite não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.
Porém eu irei,
embora um sol de lacraus me devore a fronte.
Porém tu virás
com a lingua queimada por chuva de sal.
O dia não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.
Porém eu irei,
entregando aos sapos meu cravo mordido.
Porém tu virás
pelas turvas cloacas da obscuridade.
O dia e a noite não querem vir
para que por ti morra
e tu morras por mim.
Não me leves a lembrança.
Deixa-ma só no meu peito,
frágil cerejeira branca
no martírio de janeiro.
Só me separa dos mortos
um muro de pesadelos.
Dou mágoas de lírio fresco
a um coração de gesso.
Meus olhos, como dois cães,
a noite toda no horto.
A noite inteira, correndo
por uns frutos de veneno.
Algumas vezes o vento
é uma tulipa de medo,
é uma tulipa doente,
a madrugada de inverno.
Um muro de pesadelos
me separa dos defuntos.
A névoa cobre em silêncio
teu corpo, vale cinzento.
No arco do nosso encontro
a cicuta cresce agora.
Deixa-me a tua lembrança,
deixa-me só no meu peito.
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
domingo, 21 de setembro de 2008
Dois fragmentos do livro o nosso reino de valter hugo mãe
era o homem mais triste do mundo, como numa lenda, diziam dele as pessoas da terra, impressionadas com a sua expressão e com o modo como partia as pedras na cabeça e abria bichos com os dentes tão caninos de fome.
era o homem mais triste do mundo, diziam , não faz mal a ninguém, mete dó, tinha olhos de precipício como se vazios para onde as pessoas e as coisas caíam em desamparo. mas era impossível não os fitarmos, fascinados por eles como ficávamos, e era com eles que iluminava o caminho à noite, garantiam alguns, quando se embrenhava pelo mato em direção à sua cabana secreta, ou cova, toca o que pudesse haver para lá do emaranhado desconhecido de onde vinha . era com os olhos, como lanternas, que competia com os bichos da noite, perplexos com tal ser.(...)
(...)desde há semanas que não me confessava ao padre, que estava absolutamennte possesso pela falta. exigi-o, se me obrigarem a confessar-me ao padre salto do rochedo e morro. salto o lado das as pedras, bato com a cabeça e morro. estive dois dias a silêncio, pão e água, por pecar o pecado da desobediência. mas não estava a brincar, era a minha força toda, não falarei com o padre filipe que me bate, é mau, precisa de ser salvo, não pode salvar. assim. passei o verão a frequentar a missa e a subir mais cedo à merciaria para o bolo de sempre, por vezes, a medo, ouvia o canto final do senhor hegarty já ao pé da porta, como o avanço de uma lebre na corrida. (...)
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
NOVA CARTA AOS PSIQUIATRAS
Disseram que ia ser confortável, que ia ficar tranquilo
Deram-me os vossos comprimidos:
Quero masturbar-me e não posso
Onde está a minha solidão? Quero a minha solidão
Onde está a minha angústia? Quero a minha angústia
Onde está a minha dor? Quero a minha dor
Deram-me os vossos comprimidos:
Engordei e fiquei lustroso como um gato a quem tivessem cortado os tomates
SIÃO, org. Al Berto, Paulo da Costa Domingos, Rui Baião, Lisboa, 1987
terça-feira, 16 de setembro de 2008

