sábado, 18 de outubro de 2008

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

JACARANDÁS



Poema de ISABEL DE SÁ

PORQUE SEM BELEZA NÃO SE AGUENTA ESTAR VIVO

Somos tu e eu no inferno do amor.
Limpo a cinza do rosto
sem tocar a morte que o cobre.
Nenhuma experiência é igual a outra.
Dividido, o texto é um destroço.
O abismo iluminado voltou. Matar-me-ás
com beleza, beleza.

O abismo iluminado voltou.
Numa manhã a Morte sorriu.
A criança vagueava. Um homem
de encontro a outro homem na beleza
da folhagem. Serás ele. Ela.
O poema nascia, cristalino.

Não existe saída na escuridão
da página. Quisera alienar-me
com o poema. Celebrar a vida
ou vaguear até ao suicídio.
Ninguém há que seja eu. A beleza
do início fala de um lodaçal
encoberto pela bruma das palavras.
O poema é um acto insurrecto.

Chegada é a hora propícia às sombras.
Do nada estoiram visões. Impossível
esconder o rosto ou fugir ao tumulto.
As palavras agitam-se em filamentos
de luz. O poema transforma
o nosso rosto naquele que desconhecemos.
Necessito de beleza, fortalece-me
a destruição, o desejo.

Ardem as páginas sob o gesto
frio da mão que escreve.
O menino louco. À sua infância
foi dado mais um ser que amou
inteiro. Há uma espécie de anestesia
que é também autismo. Crianças
com seus trajes fúnebres, grinaldas.
Por vezes tudo é ruína.
Esqueci-me das palavras
do passado. Não soube prescindir da beleza.
O teu corpo
agora menos só. Digo-te que desistas.
És desconhecida de ti.

Eram palavras brancas desenhadas a pincel.
Uma menina passou em busca de beleza.
Recolhia desencantos, visões. Nada sabia
do sentido do tempo. Pérolas rolavam
em direcção ao seio da mulher.
Rimo-nos primeiro com essa alegria
do princípio. E a tarde caía como nos romances.

a minha palavra favorita, Edição Jorge Reis-Sá, Centro Atlântico.pt
COMO ESTAVA AZUL, O CÉU



COMO ESTAVA AZUL, O CÉU

Encontro. A figura refere-se aos momentos felizes que imediatamente se seguiram ao primeiro encantamento, antes de nascerem as dificuldades da relação de amor.

Embora o discurso do amor não seja senão uma poeira de figuras que se agitam segundo uma ordem imprevisível à maneira do voltear de uma mosca num quarto, posso atribuir ao amor, pelo menos retrospectivamente, imaginariamente, uma transformação organizada: é por este fantasma histórico que por vezes me preocupo: uma aventura. A evolução de amor parece então seguir três etapas ( ou três actos) : é, inicialmente, instantaneamente, a captura ( sou seduzido por uma imagem) ; sucedem-se então vários encontros ( combinações, telefonemas, cartas, pequenos passeios) durante os quais «exploro» com embriaguez a perfeição do ser amado, isto é, a inesperada adequação de um objecto ao meu desejo: é a doçura do princípio, o característico período do idílio. Este tempo feliz adquire a sua identidade ( a sua clausura) por oposição (pelo menos na recordação) à «continuação»: a «continuação» é a longa cadeia de sofrimentos, dores, angustias, depressões, ressentimentos, desesperos, embaraços e armadilhas de que sou vitima, vivendo então permanentemente sob a ameaça de uma decadência que atingiria ao mesmo tempo o outro, eu próprio e o prestigioso encontro que nos fez descobrir um ao outro.

Rolland Barthes, Fragmentos De Um Discurso Amoroso



ROLAND BARTHES

FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO

A solidão do apaixonado não é uma solidão de pessoa (o amor confia-se, fala-se, conta-se), é uma solidão de sistema (talvez porque sou incessantemente abatido pelo solipsismo do meu discurso). Difícil paradoxo: posso ser ouvido por todos (o amor vem dos livros, o seu dialecto é corrente, mas só posso ser escutado (recebido «profeticamente») pelos sujeitos que têm exactamente e presentemente a mesma linguagem que eu. Banquete de Platão -Os apaixonados, diz Alcibíades, assemelham-se aos que foram mordidos por uma víbora: «Não querem, diz-se, falar do seu acidente a ninguém, excepto àqueles que dele também já foram vítimas, por serem estes os únicos capazes de compreender e desculpar tudo o que aqueles ousaram dizer e fazer sob o efeito das dores»: miserável tropa dos «Defuntos famílicos», dos Suicidas de amor ( quantas vezes se não suicida um mesmo apaixonado?), a quem nenhuma grande linguagem ( se não for, fragmentariamente, a do Romance passado) empresta a voz.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

MOSTRAI-ME ALGUÉM PARA DESEJAR

INDUÇÃO. O ser amado é desejado porque alguém lhe mostrou que ele é desejável: por muito especial que seja, o desejo de amor descobre-se por indução.

Roland Barthes, Fragmentos De Um Discurso Amoroso, edições 70



J.E. Millais, pré-rafaelista

Poema de YANNIS RITSOS

Regresso

As estátuas foram as primeiras a partir. Depois
foi a vez das árvores, dos homens, dos animais. O local
tornou-se deserto. Não havia vento.
Jornais e lixo corriam pelas ruas.
À noite, as lâmpadas acendiam-se sozinhas.
Um homem chegou, deitou um olhar em redor,
tirou uma chave, enterrou-a no chão
como se a devolvesse a qualquer mão subterrânea
ou plantasse uma árvore. Depois ergueu-se, subiu
a escadaria de mármore e demoradamente olhou a cidade.
Uma a uma, com parcimónia, as estátuas regressaram.

Tradução de Eugénio de Andrade

domingo, 12 de outubro de 2008

Poema de Herberto Helder

na morte de Mário Cesariny

corpos visíveis,
nobilíssimos,
inseparável luz que move as coisas,
ter um inferno à mão seja qual for a língua,
toda a água é inocente e escoa-se entre as unhas,
à porta do forno crematório alguém lhe toca,
vai lá, vai que te acolham, brilha, brilha muito, brilha tanto
/quanto não possas,
brilha acima,
faz brilhar a mão que melhor redemoinha,
a mão mais inundada,
e ele entra sem esperança nenhuma,
só na última linha quando o coração rebenta,
reconhece quem o olha

Herberto Helder , A Faca Não Corta o Fogo
(súmula & inédita)", 2008, Assírio & Alvim

sábado, 11 de outubro de 2008

Na Sombra de Narciso


Desenho de Graça Martins , grafite s/papel, 1989
Espólio da Fundação Escultor José Rodrigues, Porto
Poema de João Borges

SOBRE MIM A TUA BOCA


Do lodaçal deserto onde
a luz se confunde com o breu,
caminhei à procura do dia.
Cada segundo, uma facada
no coração. O sono fugia
e eu queria matar
o lodo entranhado na minha vida.

Agora, o calor e a luz
secam as lágrimas. Passam
os carros, inteiros são os dias.

A tua boca perfeita
sobre mim
parece a eternidade.
Foto de Lucy and Bart





BIZARRO ?




Cindy Sherman

Historical Portraits



Entrevista de Cindy Sherman

(fragmento)

Margarida de Medeiros

Fotografia e Narcisismo

O auto-retrato contemporâneo

Assírio & Alvim

Cindy Sherman - Para mim , toda a ideia de nudez em arte é muito aborrecida, porque está muito ligada à glorificação do corpo da mulher, e em certos casos ligada ao erotismo. A representação do homem nu na arte não parece estar relacionada eroticamente com as mulheres, não é a mesma forma de erotismo. Parece mais uma afirmação de grandeza e de força. Agora é diferente, mas continua a não estar relacionada com as mulheres, mas com os homens, na homossexualidade, o que é uma coisa em que estou a trabalhar mais recentemente. A ideia de incorporar a nudez no meu trabalho nunca teve a ver com a ideia de me revelar a mim mesma. Houve pessoas que me falaram disso, por que é que não aparecia a minha nudez, mas nunca achei que isso fosse uma forma de me revelar. Por isso, as próteses que surgem, as barrigas, os seios, é uma forma de falar da nudez, preservando um lado composto, artificial, sem ter de usar a minha própria nudez.(...) Mas para mim faz muito mais sentido usar próteses, até porque acho que há algo de tão artificial na representação tradicional da nudez, desde há séculos!...Ou mesmo nas revistas de nus, tudo aquilo é tão artificial, as mulheres não se parecem com aquilo.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Imagem do filme Henry and June


AMORES
A relação amorosa de Anäis Nin com Henry Miller e a sua mulher June expôs-se ao mundo rasgando os limites que protegem a vida da literatura. Mas outras trindades de paixão vieram à luz, dos finais do século XIX aos anos loucos de entre as duas guerras. São histórias virtiginosas de entrega, prazer e dilaceração.
Santíssimas Trindades

Quiseram amar à maneira dos deuses, fugir do egoismo simples da exclusividade e atingir o céu de todas as entregas. Derraparam às vezes nas humanas fragilidades. Sofreram de ciúmes em estereofonia. Sentiram a solidão maior do prazer absoluto. Arriscaram os pudores da pele. Renderam-se aos sentidos com a vertiginosa seriedade das crianças. Viveram em triângulos expostos, crucificaram-se em êxtases que ainda hoje escandalizam um mundo pouco sensível à religião da intimidade. Anäis Nin, Henry Miller e June repousam agora num paraíso circular de sedução ao lado de Frida Kahlo, Diego Rivera e Léon Trotski. E de Lou Salomé, Friedrich Nietzche e Paul Rée. Um paraíso onde Alma Mahler, que aparentemente gastou no nome a sua capacidade de essência, arrastará uma pomposa cauda de talentos: Gustav Mahler, Walter Gropiu, Oskar Kokoschka e Franz Werfel. (...)
Estes seres tinham em comum o desprezo pela felicidade, incapaz de suportar a febre e a alegria negra da dilaceração. Viviam de resurreição em resurreição: eram budistas tântricos sem método: libertavam energias que não sabiam controlar, queimavam-se no seu fogo purificador.
(...)
Inês Pedrosa

domingo, 5 de outubro de 2008

Um dos lugares da ESCRITA








Fotos de Graça Martins

Poema de LUÍS MIGUEL NAVA

Paisagens

São outras as paisagens quando alguém
as vê pelas janelas do seu próprio coração ou quando
com esse coração
a própria estrada está comprometida.

Rebentação, & etc, Lisboa, 1984
DUAS FOTOS DE ISABEL DE SÁ









Foto de Graça Martins, 1977

Foto de Graça Martins, publicada no Jornal Expresso/ 17 de Setembro de 2005
integrada no texto de António Guerreiro "O rosto e as máscaras", a propósito
do livro Repetir o Poema.
Poema de ISABEL DE SÁ

publicado na revista RELÂMPAGO nº18, Abril de 2006

A VERDADEIRA BIOGRAFIA

A minha biografia
é evidentemente excepcional.
Tive um Pai uma Mãe
nasci numa Casa
fui à Escola da vila
depois do concelho.
Mudei de distrito para
continuar
e o caminho da instrução
concretizou-se na Faculdade
de Belas Artes.

Da infância passada em plena
Natureza lembro
a beleza das estações do ano
os rituais católicos
uma criada preferida
o instante em que aprendi a ler.
Chegou a adolescência
e com ela a certeza
Quero ser professora de Desenho.
Suponho que a Biblioteca
me salvou do desastre
interior.
Tinha dezassete anos
e requisitei "Uma Época
No Inferno" de um rapazito
chamado Jean-Arthur Rimbaud.

Na Biblioteca o empregado
olhava-me sempre com reserva.
Eu estudava o quê?
Um dia livros de medicina
outro dia de poesia.
Então a ciência é poética?

A entrada na vida adulta
aliada à independência
e ao amor: O meu país
sofreu uma revolução. A democracia
não honrou ainda a sua palavra.
Cumpro deveres e não posso
usufruir de direitos proporcionais.
Eu e alguns milhares
neste sentimental canto
europeu sob um regime
semiditatorial
contribuo
para a sopa e os vícios
de alguns milhares de parasitas.

Mudando de assunto a pátria
é grande e a família também.
Para mim já passou
o meio século. Já foi o Pai
a Mãe e o Irmão mais velho.
Estou por cá à espera
certamente.

Não é provável que me entregue.
Conheci o galinheiro do confessionário
ajoelhei-me diante do altar
da virgem. Apaixonei-me.

Também recebi um terço de prata
no dia da comunhão solene.
E na hora exacta o óleo
perfumado do crisma.

Sempre que vou a uma missa
de corpo presente lá está o mesmo altar
com a deslumbrante
virgem. Entretenho-me
a recordar que já tive
quinze anos e também
adorei.

Depois a Páscoa a soturna
via sacra onde sofria
pela minha dor
e as beatas exibiam lágrimas
como dádiva pelo calvário
a que Jesus foi sacrificado.

Jesus era belo na sua passividade.
Os longos cabelos
o olhar suplicante
as pernas
o tronco liso
o ventre. Por fim
a entrega. Braços abertos
para o bem e para o mal.

Agora neste dois mil e seis
trata-se de insistir. Já é tarde
para quase tudo.
Os meus contemporâneos alimentam
uma curiosidade fétida.
A obra é minha. Faço
o que quero. Escondo
rasgo
mostro
transformo
entrego ao crematório
deixo aos herdeiros
ao vaticano
não deixo.

Nunca esmolei. Não fui pobre.
Mas os sinais da exclusão
o ódio é tão luminoso
que seria patético
psicotisante até
não articular sequer
estes versos
antes da eutanásia.
Página da HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, 2002
ANOS 70 e 80 - POESIA por
FERNANDO PINTO DO AMARAL


sábado, 4 de outubro de 2008

«Importa-se que não fume?»

Groucho Marx
Post dedicado ao blog CAMEL & COCA COLA

CIGARROS CAMEL

Fragmento do livro O Prazer de Fumar Cigarros de JAMES FITZGERALD

(...)

Mais de metade da turma, mas sobretudo a maioria dos meus amigos, tinha tomado a decisão de fumar e ia para o monte. Os reis do monte ou tinham conseguido ser admitidos muito cedo ou não estavam a pensar na faculdade, personagens pretas e brancas que fumavam, todas, Camel. Eu queria entrar naquele grupo de rebeldes. Comecei a cravar cigarros e a andar com eles a cantar canções de Bob Dylan ( que tinha aparecido na capa da revista Life com uma camisa de trabalho estilo Woody Guthrie a fumar um Camel ) e a praguejar em silêncio contra aquele curioso processo por que estávamos a passar - crescer. Nessa altura, o tempo passou depressa . Ia para a faculdade. Após três dias de adaptação, assinatura de documentos e escolha do programa, (...) fui para o edifício da associação de estudantes e comprei o meu primeiro pacote de cigarros. Tinha chegado. Era oficial. Na faculdade, os cigarros adaptavam-se a qualquer situação e a qualquer pessoa com quem se estivesse. Fumava cigarros sem filtro quando tinha de ficar a pé toda a noite, cigarros com filtro na aula do professor liberal de Filosofia, que nos deixava fumar ao mesmo tempo que ele fumava e nos ensinava os meandros do pensamento Kierkegaardiano. Os de mentol eram para o dia seguinte e para gargantas inflamadas; havia Marlboro nas máquinas de cigarros dos bares (...) Todos cravávamos cigarros uns aos outros e passávamos alegremente o tempo de faculdade a fumar. (...) Tinha um isqueiro há dois anos que conseguira não perder e fixara-me numa marca específica; até era conhecido pela minha marca. A opção foi pelos Camel: era exótico, duro (adoro a cor amarela) e a minha mãe fumava-os - uma vez disse-me que eles provocavam sempre a mesma reacção: « Ah, fuma Camel?» As pessoas conheciam-me e identificavam-me com aqueles Camel, ainda que eu experimentasse outras marcas...


SABIA?

Um anúncio na revista Life, em 1915, oferecia o serviço personalizado de marcar cada cigarro com o monograma da pessoa se se encomeendassem quinhentos cigarros ou mais.

«CAFÉ E FUMAR SÃO OS ÚLTIMOS GRANDES VÍCIOS»

Lara Flynn Boyle

E AGORA O OUTRO LADO DO TABACO

«Acreditar que fazemos alguma coisa quando não fazemos nada é a primeira ilusão do tabaco.»
Ralph Waldo Emerson
«Não me importava de ver morrer a ópera. Desde rapaz que considerava a ópera um pesado anacronismo, quase o equivalente a fumar.»
Frank Lloyd Wright
«É fácil deixar de fumar. Já o fiz centenas de vezes.»
Mark Twain


















ANDY WAHROL ???
JOE CAMEL


Os cigarros CAMEL são uma marca associada ao masculino.
Homem galã, elegante, sedutor e aventureiro .
O jovem Joe Camel representa a atitude da aventura . Marca fundada em 1913 e que ainda hoje assume o ícone de um estilo.

CAMEL


quinta-feira, 2 de outubro de 2008

TRAGICOMÉDIA a LÍDIA JORGE de INÊS LEITÃO

Foi no Marquês que Lídia passou por mim: a sua pele hidratada, os seus cabelos cor de trigo espetados no pescoço à laia de espadachins de ferro; o seu casaco, o seu corpo de costas. Lídia trazia o DN na mão direita. Lídia Jorge não me disse adeus e seguia tranquila como se a avenida da Liberdade fosse sua, como se o passeio fosse a imensa continuação das suas magras pernas brancas. Lídia trazia um casaco branco sintético e os meus dedos quiseram tocar-lhe as pontas dos espadachins da cara. No momento em que me viu, Lídia Jorge disse:
- conheço-a?

E uma mulher pequena deixou cair a carteira.

Eu queria tanto tocá-la, Lídia. A sua pele branca a cheirar a jasmim, o seu casaco branco até aos joelhos à laia de dama vicentina que se protege dos outros, o rigor das suas calças pretas, os seus olhos pequenos escondidos atrás dos óculos escuros(os seus olhos do outro lado da pele) as minhas mãos a quererem tocar a ponta dos seus olhos cor de lama, Lídia
-eu?

Eu a querer convidá-la para um chá: falaríamos de nós, dos nossos livros, daquilo que pensamos à noite quando nenhum homem entra Lídia, quando nenhum homem nos toca na nossa cama e ficamos só nós: nós como só nós sabemos ser- Helena de Tróia, Lídia, eu conheço Helena de Tróia
Eu vi-a, eu disse-lhe olá e a Lídia não me reconheceu- O Forza Leal, Lídia, Moçambique nos anos 60 não pode ser diferente de Moçambique de 2005: a mesma Avenida Lenine no filme da Margarida, Lídia

a Margarida Cardoso a tocar-lhe os ombros na televisão com um casaco que pediu emprestado para a conhecer: eu sozinha no sofá com um vestido preto de seda à espera que a Lídia saísse do ecrã e me abraçasse. A Lídia a dizer
- sim?

E eu a vê-la ir, Lídia, a vê-la ir sem que a Lídia me colocasse a mão na testa, eu sem sentir o seu abraço que cheira a jasmim(a Lídia não precisa de se aproximar para eu saber àquilo que cheira)
- a senhora não me conhece, desculpe
Eu a pedir desculpa pelo encontrão, Lídia, a Lídia a abraçar-me, a insistir para pagar o chá, as torradas, os brioches. Nós íntimas, Lídia, a Lídia a falar-me das personagens do seu novo livro, a Lídia a dizer-me que gosta de Redfish e eu a jurar-lhe que tem de vir cá a casa conhecer a minha mãe e o peixe que coze no nosso forno aos sábados( o tomate a descansar em cima do redfish com as cebolas e os pimentos, como se todos eles naquele forno fossem uma grande família Victoriana que se reencontra aos sábados)
a Lídia a jurar-me que a minha imaginação é desleal com a realidade, e nós sentadas num afamado hotel da capital a beber chá de maçã vermelha, com toda a gente a ver.
Lídia Jorge atravessou Lisboa a pé, de óculos escuros, como quem sabe para onde ir.
Noites de POESIA na maria vai com as outras.
Todos os meses na primeira sexta-feira do Mês.
Foto de Lucy and Bart


CAUSA AMANTE
de MARIA GABRIELA LLANSOL
(...)
Desdobro a carta de Luís M., não é uma carta , pois é um manuscrito fechado, mas sem endereço; é o que for, e eu lerei alto, a mim e a elas:
o que me atrai em ti é que te abras. Que te abras ao se. Que eu possa ir até todos os teus íntimos, como se fosses uma grinalda de flores secas, um velho pano de seda, um corpo de lembranças sensíveis, de homens desejados e perdidos, de visões sem lógica, de força de vontade, de pedaços de melodias simples trauteadas.
Cada vez que fui até a um teu segredo, a minha energia foi e, depois da retenção, eu ta dei.
foi na busca da mulher que principiou o meu caminho, é nele que encontrei o livro. Peguei no livro como se desfolhasse uma mulher muito desejada e adquiri uma forma fundamental de querer. Ensinou-me o livro a penetrar a mulher e estou com ela, como se a mulher seguisse os meandros do enredo.
o que me atrai no livro é que se abra. Que eu possa ir a todos os seus recantos, como se ele fosse um labirinto de acções, um guia em mundos que desconheço, uma sequência de imagens exactas, uma paisagem com força de existir, um velho manuscrito que fale verdade, e responda.
Cada vez que fui até ao fim do enredo, a minha energia foi e, depois de captada, se entregou.
a forma de te procurar e a forma do que procurei encontram-se quando, contigo, pude escrever o livro.
(...)

terça-feira, 30 de setembro de 2008


Graça Martins
Blood Roses, acrílico e colagem s/tela, 2001











Graça Martins
Bruscamente no Verão Passado, acrílico s/tela, 1999

Qualquer representação gráfica da realidade, precisa nos seus pormenores, proporcionada e particularizada em cada uma das suas partes, é sempre uma interpretação pessoal, uma forma de explicar essa realidade

domingo, 28 de setembro de 2008


Foto de Lucy and Bart

DOSTOIEVSKI

a voz subterrânea

(...)

Olhai bem! Hoje em dia nem sequer sabemos onde se esconde a vida, o que é, como se chama. Se nos abandonarem, se nos tirarem os livros, ficaremos imediatamente desasados, confundimos tudo, não sabemos para onde ir, como comportar-nos, o que devemos amar, o que devemos odiar, o que devemos respeitar, o que devemos desprezar. Até nos é penoso ser homens, homens possuindo corpo e sangue próprios; temos vergonha disso, consideramos isso um opróbio e sonhamos vir a ser uma espécie de seres abstractos, universais. Nós somos nados-mortos, e já há muito que não nascemos de pais vivos, o que sobretudo nos agrada; gostamos disso. Em breve encontraremos um meio de nascer directamente de uma ideia.

Mas basta! Já não quero fazer ouvir mais a minha «voz subterrânea».

(...)

Trad. Célia Henriques/Vitor Silva Tavares, edição & etc, 1989, Lisboa

sábado, 27 de setembro de 2008

« A serenidade não é feita nem de troça nem de narcisismo, é conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade, atenção desperta junto à borda dos grandes fundos e de todos os abismos.»

Hermann Hesse

COLECÇÃO BOUDICCA 2008