
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Há 28 anos, António Lobo Antunes era um novo escritor, a publicar (No mesmo ano) os dois primeiros romances, “Memória de Elefante” e “Os Cus de Judas” (1979). A escrita, aparentemente sem influências, fez deste psiquiatra não só uma das mais importantes e originais vozes da literatura do pós-25 de Abril, como um dos cronistas mais credíveis da transição do Portugal da época da ditadura, até ao actual, usando com particular incidência os horrores da Guerra Colonial, onde o escritor esteve durante dois anos.
28 anos depois (Visto eu ter gostado do filme “28 Dias Depois”.), com todas as inevitáveis (E ainda bem.) evoluções, a escrita de António Lobo Antunes é uma das mais importantes e apreciadas quer no contexto da literatura portuguesa, quer no contexto da literatura mundial.
“Ontem Não Te Vi Em Babilónia” é o romance mais recente do autor. Nas entrevistas, Lobo Antunes afirma não querer contar histórias, mas sim vidas, e foi o que fez, no seu 18º romance: ele conta as vidas destas pessoas, e entrelaça essas vidas, mas sem criar um enredo, colocando-as a deambular por uma terra sem dono.
Uma noite, estas pessoas não adormecem, têm insónias. Deitadas na cama, revisitam o seu passado, relatam-no, comentam-no, descobrem-no e por vezes, inventam-no. Nem todos os personagens falam o mesmo número de vezes, havendo quatro que se destacam, e essas quatro têm em comum o facto de terem sido testemunhas do suicídio de uma rapariga, que se enforcou numa macieira.
São encontros e desencontros, mas há sempre uma tremenda melancolia, em cada linha, em cada frase que se repete como um eco (Característica muito lobo-antuniana.), há o sofrimento de quatro pessoas vítimas de si mesmas e das suas escolhas. Todas têm um segredo. E vão revelando o seu segredo, sem pressa, aos poucos.
A força do livro é impressionante. É honesto e realista, chegando por vezes a ser agressivo ou a atingir quem lê (O exemplo de uma das personagens que acusa quem lê de ir esquecer-se dela quando terminar a leitura do livro.), revelando-se, no fim, um texto que ultrapassa as potencialidades reais que tem: aquilo que o livro é, na realidade, não oferece muitas possibilidades de este ser um romance assinalavelmente bom, nem sequer no contexto da obra do seu autor; mas a verdade é que é tão bem conduzido, e de uma forma tão pouco enganadora, que acaba por contornar essa condenação prévia.
Ao fim de 479 páginas (Algumas a menos, ainda assim, não seriam fatais.), Lobo Antunes afirma que o que escreve pode ler-se no escuro. E pode. Infiltra-se e morde de tal forma o leitor, que pode ser lido no escuro, talvez seja melhor que nos morda no escuro.
“Ontem Não Te Vi Em Babilónia” é obviamente incapaz de ultrapassar a grandiosidade do magma de romances como “Eu Hei-de Amar Uma Pedra” ou “O Manual dos Inquisidores”, mas é igualmente óbvio que é um dos melhores livros do ano.
por Supermassive Black-Hole
em Camel & Coca Cola
A propósito de estrelas
Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas
de "Um jogo bastante perigoso", Obra, Lisboa, Mariposa Azul, 2000
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
LIBERDADE
Ser livre é querer ir e ter um rumo
e ir sem medo,
mesmo que sejam vãos os passos.
É pensar e logo
transformar o fumo
do pensamento em braços.
É não ter pão nem vinho,
só ver portas fechadas e pessoas hostis
e arrancar teimosamente do caminho
sonhos de sol
com fúria de raiz.
É estar atado, amordaçado, em sangue , exausto
e, mesmo assim,
só de pensar
gritar
e só de pensar ir
ir e chegar ao fim.
Clarisse Lispector,
a senhora não devia
ter-se esquecido
de dar de comer aos peixes
andar entretida
a escrever um texto
não é desculpa
entre um peixe vivo
e um texto
escolhe-se sempre o peixe
vão-se os textos
fiquem os peixes
como disse Santo António
aos textos
Do outro lado
da ponte
está um monte
e do outro lado
do monte
está uma fonte
A vida, Augusto Comte, é um mar de miosótis
a vida é andar para cá e para lá
de "Clube da Poetisa Morta, Obra, Lisboa, Mariposa Azul, 2000
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
domingo, 2 de agosto de 2009
ALLEN GINSBERG
América dei-te tudo e agora não sou nada.
América dois dólares e vinte e sete cêntimos em 17 de Janeiro de 1956
Não aguento a minha própria mente.
América quando poremos fim à guerra entre os homens?
Vai-te lixar com a tua bomba atómica.
Não me sinto nada satisfeito não me chateies.
Não vou escrever o meu poema enquanto não estiver perfeitamente equilibrado.
América quando serás tu angélica?
Quando é que te despes?
Quando é que olharás para mim através do sepulcro?
Quando é que serás digna do teu milhão de trotzkistas?
América porque estão as tuas bibliotecas cheias de lágrimas?
América quando é que enviarás os teus ovos para a Índia?
Estou farto das tuas exigências loucas.
Quando poderei eu entrar no supermercado e comprar tudo o que preciso com a minha beleza?
(...)
Antologia da Novissima Poesia Norte Americana, Manuel de Seabra, Editorial Futura, 1973
fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer? pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
sábado, 1 de agosto de 2009
Mais uma estrela que se apagou
Merce Cunningham 1919 - 2009
Era considerado o maior coreógrafo vivo. Até segunda-feira passada, morreu em Nova Iorque, aos 90 anos. Sempre ligado às artes plásticas e musicalidades diversas. Colaborou com Rauschenberg, Jaspers Johns, Radiohead ou Sigur Rós. Esteve sempre associado a John Cage, com o qual viveu uma parceria pessoal e artística, de 1994 até 1992 - data da morte do compositor. Tive o privilégio de assistir ao vivo, por duas vezes e no Porto, a bailados deste coreógrafo, com música de Jonh Cage e cenários de Andy Warhol. O último espectáculo foi em 2001 - Porto Capital da Cultura. Quando Cunningham apareceu no palco, com 82 anos, elegante, como uma escultura de Giacometti, o corpo do ballet inscrito em cada gesto, a plateia ovacionou, de pé, durante vários minutos. Uma emoção colectiva ÚNICA.
sexta-feira, 31 de julho de 2009
Paulo da Costa Domingos
quarta-feira, 29 de julho de 2009
Luís Miguel Nava
Tem furos na consciência, este rapaz. Tem a memória
em cacos. Que fará da minha infância quando entrar no
rasgão com que deu a todo o comprimento dela? Que sabe
ele do labirinto onde uma letra se extravia ou do horizonte
em que pressinto um sublinhado? Ignoro o que ele fará,
bem como o que dirá ao ver num poema o céu em entre-
linhas.
A Inércia da Deserção, editora & etc, Lisboa, 1981
segunda-feira, 27 de julho de 2009
LUÍS MIGUEL NAVA
Às vezes procurava-me, trazia
no sangue a acentuação
do corpo, o que no fundo
dele é marítimo corria à superfície.