
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Poema de RUI PIRES CABRAL
Na vitrina lê-se Livros Raros
e Usados sob o azul inclinado
de um toldo – mesmo em frente
à glacial cafetaria de franchise
onde o dia destrata o desejo
e não se pode fumar. Subo
aos pequenos gabinetes
mergulhados no doce bafio
da literatura e percorro de A
a Z as espinhas estreitas
e rachadas da poesia. É o sítio
mais vazio de Novembro
e o que mais me reconforta;
o livro que escolho, por metade
de uma libra, traz no frontispício
um nome e uma morada: Shirley Ann
Eales, de Scottsville – um sumido
autógrafo de maiúsculas magras
e triangulares onde a imaginação
encontra por enquanto pretexto
e oxigénio suficientes para arder.
O livro teve outra existência,
pertenceu a outra casa, a outra mesa
de cabeceira – e o pensamento,
de tão óbvio, conjura de repente
uma vertigem, é um corredor
abrupto para a imensidão do mundo
onde trafica o acaso. Ah, sabemos
que a vida é improvável se damos
por nós a cismar, a meio de uma tarde
insípida, numa mulher desconhecida
que lia poemas em Scottsville, nos anos
70. Mas haverá aqui alguma espécie
de sentido, algum sinal guardado
para alguém mais sábio ou inocente
do que eu? Não sei quem és
nem onde estás agora, Shirley Ann,
mas como seria belo se pudesses
um dia encontrar, por obra da mesma
sorte, o teu nome nestes versos.
LONGE DA ALDEIA, 2005
sábado, 16 de janeiro de 2010
DOIS POEMAS DE JOÃO BORGES
Da janela de guilhotina
vêem-se os telhados,
as varandas abertas
anunciam a casa perfeita
da família-modelo.
Do lado de cá, é
um quarto de pensão.
Sem artifícios, luz fraca,
pouca mobília.
Podia ficar a viver aqui.
A colcha enrodilhada da
cama quase guarda a
forma dos nossos corpos.
Algumas manchas de esperma
secam enquanto eu vagueio
nu pelo quarto. Lentamente
tudo se esquece que estivemos
aqui. As vozes das pessoas
lá em baixo
chegam em tempo real a esta morte.
Partiste para os teus
afazeres, mas eu demoro-me
um pouco mais. Demoro-me
sempre. O vento agita as
cortinas e gela-me.
Na varanda em frente,
uma menina corre provavelmente
para dizer à mãe que está
ali um homem nu.
O homem nu está morto.
E tu combinaste um encontro
para esta noite, neste quarto,
com o homem nu.
Talvez realmente nos encontremos
e de novo as tuas mãos
não se amedrontem ante o
frio da minha pele.
Um cheiro íntimo teu
nas pontas dos meus dedos
diz que já uma vez
não tiveste medo.
Vou sair. Vou percorrer
o Porto desconcentrado do nosso
potencial encontro. Amar a chuva
como se ama um rosto beijado
pela boca ardente,
sedenta de alegria viva.
Não quero que me relembres,
tu que aprecias um bom drama,
que amanhã logo de manhã
nos despedimos até mais ver.
Vou percorrer a cidade
fixo no infinito.
O teu corpo destruído por dentro
mas suave ao toque
não mais será que uma memória.
Vou percorrer a cidade
nu e morto. Serei feliz
e eterno. Porque ninguém nos rouba
a nudez nem a morte.
Afinal a carta
não veio.
As trevas tomavam
cada vez mais o coração.
As palavras eram parcas
e não poderiam
mudar nada do que
aconteceu.
A tristeza vem.
O tempo passará
sobre o sepulcro em que
deixámos cada beijo
de cada abraço.
A escuridão substitui
a dor.
E o abandono vem.
Ao sentar-me no café
relembro a última vez que
te vi. Foi aqui. O teu rosto alternava
entre a alegria de me reencontrar
e o abismo que a tua vida
sempre foi.
E a memória vem.
Eu olhava-te ainda
com o afecto confuso de sempre.
Que agora se mudou.
E o ódio vem.
O empregado entra com os
sacos do talho, carne crua
e ensanguentada, apertada
dentro do plástico como se
quisesse rompê-lo.
É um vislumbre tão nítido
do meu coração.
E a ameaça vem.
E neste café onde estivemos
a última vez antes do ódio,
a carne será confeccionada,
destruída.
E a morte vem.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
13 DE JANEIRO DE 2010 - 35 ANOS DEPOIS - no mesmo PARQUE EDUARDO VII - Lisboa
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
BUSCAR CONSOLO NA CRUELDADE
Postagem de HMBF editada na Antologia do Esquecimento
domingo, 10 de janeiro de 2010
FRENESI - ATENÇÃO LEITORES - NOVO ESPAÇO NA WEB
Para ir recebendo a nossa montra de livros actualizada envie-nos o seu e-mail para um frenesilivros@yahoo.com
Postagem de Paulo da Costa Domingos - Frenesi
sábado, 9 de janeiro de 2010
SANGRAMENTO - Joaquim Manuel Magalhães
Melhor seria que não me lessem nunca
os que por costume lêem poesia.
Muito além deles conseguir falar
ao que chega a casa e prefere o álcool,
a música de acaso, a sombra de alguém
com o silêncio das situações ajustadas.
Não ser lido por quem lê. Somente
pelos que procuram qualquer coisa
rugosa e rápida a caminho de uma revista
onde fotografaram todo o ludíbrio da felicidade.
Que um poema meu lhes pudesse entregar,
ademais da morte,
um alívio igual ao de atirar os sapatos
que tanto apertam os pés desencaminhados.
Mais do que tudo é isso que lhes quero
na confusão destas palavras atingidas
pelo contrário do que lhes entrego.
Pode até haver crianças, brinquedos espalhados,
o cheiro da comida, todas essas coisas de que fujo,
mas que me lessem sem pensar
na armadilha de palavras assim.
Alguém que me visitasse só
com o que ficou para trás nesse dia,
antes de pôr o vídeo com que vai tentar
esquecer o peso do princípio da noite,
as horas depois do emprego e do jantar,
antes do sono que tantas vezes é
um fechamento de desconsolo.
Estrelas cadentes, outras e outras
no dia? na noite tão curta? decepadas
e enaltecidas por entre o ladrar
de um cão que na distância
responde a outro cão.
ALTA NOITE EM ALTA FRAGA, Relógio D'Água, 2001
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
ACERTAR O PASSO
postagem do blog http://daliteratura.blogspot.com/
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Poema de LEWIS CARROLL
(Pares de premissas em busca de conclusões)
Nenhum careca necessita pente;
Nenhum lagarto tem cabelo.
Alfinetes não são ambiciosos;
Agulhas não são alfinetes.
Algumas ostras estão caladas;
Pessoas caladas não são divertidas.
Rãs não escrevem livros;
Algumas pessoas usam tinta para escrever livros.
Certas montanhas são intransponíveis;
Todos os estilos podem ser transponíveis.
Nenhuma lagosta é insensata;
Nenhuma pessoa sensata espera impossibilidades.
Nenhum fóssil pode ser em amor cruzado;
Uma ostra pode ser em amor cruzada.
Um homem prudente evita hienas;
Nenhum banqueiro é imprudente.
Nenhum sovina é altruísta;
Só os sovinas guardam cascas de ovo.
Nenhum militar escreve poesia;
Nenhum general é civil.
Todas as corujas são satisfatórias;
Certas desculpas são insatisfatórias.
Tradução: José Lino Grünewald
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Mário de Sá-Carneiro
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o outro.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
POEMA DE MARIA TERESA HORTA
Morrer de amor
ao pé da tua boca
Desfalecer
a pele do sorriso
Sufocar de prazer
com o teu corpo
Trocar tudo por ti
se for preciso.
OS LAMENTOS DA PAIXÃO NA MÚSICA ERUDITA OU LIGEIRA
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
PAIXÕES - ROSA MONTERO
TOLSTOI e SÓNIA

Escritor famoso, autor de Guerra e Paz e Ana Karenina, Leon viveu mais em guerra do que em paz com a sua mulher. Tinha 34 anos quando se casou com Sónia, de 18, numa cerimónia feita à pressa. Tolstoi sempre foi terrivelmente contraditório: anjo e fera, génio e miserável. Era bissexual e bebia muito. Até se casar, contraiu doenças venéreas de várias mulheres de vida fácil, amava platonicamente alguns homens e manteve uma tórrida relação com uma das suas camponesas, mulher casada com a qual teve um filho. Entre o noivado e o casório passaram-se apenas sete dias. No decorrer dessa mesma semana Tolstoi teve a cruel e original idéia de que a noiva lesse todos os seus diários íntimos, para saber com quem estava a casar-se. E a pobre Sónia, ainda uma menina, teve que engolir as escabrosas revelações de um senhor de 34 anos que mal conhecia. Ficou horrorizada. Após o casamento, foram morar em dois pavilhões apertados, imundos e escuros, sem tapetes, invadidos por ratos e com o jardim devorado pelas ervas daninhas. As dívidas de jogo de Leon haviam consumido a bela mansão de 36 quartos.
Sónia ficou grávida 16 vezes, sofreu três abortos e quatro dos 13 filhos que teve, morreram. Viveu o inferno do tolstoísmo. Aos 49 anos, Tolstoi mergulhou numa profunda crise de depressão. Tinha idéias suicidas e não via sentido na existência; até que decidiu criar uma nova religião, o tolstoísmo, e tornou-se uma espécie de guru pregando coisas como a abstinência sexual. Tudo adubado por furiosos sermões e iradas censuras, porque Tolstói transformou-se num fanático intolerante que imputava aos outros (sobretudo à mulher) as suas próprias falhas. Sónia enfrentou ainda o discípulo Chértkov que teve Tolstoi nos braços no leito de morte.
Por mais de duas décadas a mulher de Tolstoi tentou pôr ordem e sensatez no delírio: "O meu marido deixou absolutamente tudo sobre as minhas costas", escreveu lucidamente no seu diário, os filhos, a fazenda, a casa, os seus livros, os problemas económicos, o contacto com as pessoas e com os editores, e depois, com uma indiferença egoísta e críticas, despreza-me por eu fazer tudo isso. Mas, se o louco não era tido como tal, então ela, Sónia, o que era? Pouco a pouco foi perdendo a noção do real. Se o louco não estava louco, então a louca era ela.
Sónia perde a razão e entrega-se a comportamentos histéricos e paranoicos. Durante as várias crises, atirou-se para uma represa gelada, tentar atirar-se a um poço e golpear o próprio peito com um martelo. A sanidade só voltou com a morte do marido. Sónia administrou as propriedades da família, começou a escrever as suas memórias e visitava todos os dias o túmulo do marido, onde depositava flores até à sua morte.
OSCAR WILDE E SIR DOUGLAS

A decadência na vida do escritor inglês Oscar Wilde foi resultado da sua obsessão pelo lorde Alfred Douglas, um jovem de 21 anos ''maldoso, egoísta, vaidoso, frívolo e violento'' que levou Wilde, então com 37 anos, a um mundo de chantagistas. Bosie, como Douglas era chamado por todos, usou o amante na sua luta pessoal contra o pai. Numa briga judicial, Wilde terminou preso e com os bens expropriados - e socialmente desmoralizado até morrer, aos 46 anos
Antes de ceder à homossexualidade e terminar a vida com uma paixão decadente, Oscar Wilde teve algumas namoradas e casou-se, aos 29 anos, com Constance Lloyd, ''uma mulher bonita, inteligente e leal, três anos mais nova que ele''. Segundo testemunhos, no começo de seu casamento Wilde estava muito apaixonado. ''Devia sentir-se feliz ao imaginar-se curado da sua homossexualidade: a vida era muito mais confortável na ortodoxia.'' Teve dois filhos com Constance, mas ''a mulher-mãe" transformou-se para ele num objecto sexual impossível de suportar: "Quando casei, a minha esposa era uma rapariga bonita, branca e esbelta como um lírio. (...) Depois de um ano, transformou-se numa coisa pesada e disforme (...) com seu espantoso corpo inchado e doente por culpa do nosso acto de amor.''' No entanto, sempre se trataram bem e mantiveram-se unidos. Três anos depois do casamento, Robert Ross, um rapaz de 17 anos e já experiente nesses assuntos, seduziu Wilde, então com 32 anos e levou-o para a cama. ''Enquanto o sexo com as mulheres lhe parecia sujo, o amor viril encerrava para Wilde toda a beleza, a espiritualidade e a transcendência.''.
Passada a paixão inicial, o encantador Ross tornou-se o seu melhor amigo (...) A partir de 1891, estreou em Londres quatro peças de teatro com crescente sucesso, até chegar ao triunfo total da sua última comédia, "A importância de ser Ernesto". Essa obra estreou em 1895 e recebeu críticas fabulosas; três meses depois, Wilde era preso. Tudo havia começado em 1891; foi então que Wilde conheceu lorde Alfred Douglas. Era o começo da sua decadência.
VERLAINE e RIMBAUD

Verlaine já era um poeta famoso quando os dois se conheceram. Era feio, beberrão e violento, mas os seus versos tinham a chave certa para abrir as portas da alma. A mãe pensou em acalmá-lo da sua bissexualidade quando o casou com Mathilde, uma jovem linda de 17 anos. Nada mudou. Continuou a fazer versos excepcionais, mas batia na mulher, bebia muito e uma vez tentou matar a mãe. Tinha 27 anos quando conheceu Rimbaud, um belíssimo rapaz que fugiu de casa várias vezes e em algumas delas dormiu na rua e vasculhou lixo para encontrar comida. Morava no povoado de Charleville e lia Verlaine. Um dia escreveu-lhe uma carta com alguns dos seus poemas e o desejo de mudar-se para Paris. Verlaine aceitou a visita do jovem poeta e, juntos, passaram a viver o inferno.
Paul Verlaine vivia entre o amor violento e cruel de Rimbaud e o da sua mulher Mathilde. A vida aos pedaços, mas a poesia dos dois era tão forte quanto a obsessão que os unia. Foram ficando isolados à medida em que o relacionamento dos dois se tornava cada vez mais público devido à instabilidade. Resolveram separar-se. Voltaram. Foram morar para Londres. Romperam novamente. Verlaine vai para Bruxelas e implora uma visita do amigo. O descontrole fala mais alto e, depois de muito sexo, bebidas e brigas, Verlaine com um revólver em seu poder, atira em Rimbaud. A mãe de Verlaine acode o rapaz e acalma o filho. Decidem levar Rimbaud de volta para a estação para que ele regresse a Londres imediatamente. Na despedida Verlaine tenta mais uma vez matar o amante. É preso e condenado a dois anos de trabalhos forçados. Os dois continuaram vivos, mas a poesia para eles já estava morta.
JOANA e FILIPE

Neurótica, a princesa espanhola protagonizou cenas inesquecíveis em nome da paixão pelo seu marido, Filipe, o Belo: talhou o rosto de uma suposta amante do marido, para em seguida ser trocada por ele. Quando Filipe morreu prematuramente, aos 28 anos, Joana endoidou de vez e proibiu que qualquer mulher se aproximasse dos restos mortais. Contam que Joana mandou desenterrar o príncipe, que havia sido sepultado na abadia de Miraflores, e que ia vê-lo todas as semanas, abrindo o caixão, desamarrando o sudário e beijando os pés do defunto. E depois que, quando a peste a obrigou a sair de Burgos, levou consigo o cadáver de Filipe.
Durante o casamento, Filipe enganou e desrespeitou cada vez mais abertamente a sua mulher, e Joana, como era hábito, foi ficando mais e mais obcecada por ele. O arquiduque deixava-a trancada nos seus aposentos durante semanas, e ela passava a noite golpeando as paredes para irritar as companhias do marido.
A última rainha titular da história da Espanha morreu no fim de 1555, paralítica da cintura para baixo e atormentada pelas dores horríveis da gangrena. Tinha 77 anos e havia passado os últimos 47 encerrada em Tordesilhas.
domingo, 27 de dezembro de 2009
NOCTURNO - O Romance de CHOPIN por CRISTINA CARVALHO -
A relação fabulosa de CHOPIN com GEORGE SAND atravessada pela criação de ambos. Chopin na música e Gorge Sand na escrita.
O compositor polaco Fryderyk Chopin morreu com apenas 39 anos mas “viveu intensamente”, diz a escritora Cristina Carvalho, que pesquisou durante dois anos sobre a vida do pianista para a colocar num livro.
Neste “NOCTURNO” fica-se a conhecer melhor a história deste homem “extremamente sedutor, muito sensual e muito andrógino” e da sua época, das suas qualidades e limitações, amores e desamores, alegrias e sofrimento, desde o seu nascimento, na aldeia polaca de Zelazowa Wola, até à morte, em Paris, a 17 de Outubro de 1849.
Cristina Carvalho afirma que “todas as datas e referências correspondem à verdade histórica”, embora salvaguarde a existência de “muitas omissões”, indicando ainda que “apenas quis escrever alguns apontamentos duma vida que, embora muito curta, foi incrivelmente apaixonada e apaixonante”.
(...) Passaram-se nove anos. Nove tortuosos e singulares anos. O nosso convívio, ao princípio extraordinário, tornou-se esquisito, anormal, mas prosseguiu. Maman Sand teve as artes necessárias para me prender, fez com que eu me sentisse dependente, às vezes doente de propósito, e ora me aparecia como uma mulher, ora me aparecia como um homem, ora me aparecia como uma mãe, ora me aparecia como uma filha.
As sonatas, as fugas, os romances, as fantasias, os nocturno, e, naturalmente, o Impromptu dão conta e revelam esta minha vida. Basta ouvi-los com atenção.
O período da minha vida com George Sand foi prolífico mas também foi infeliz. Esta é a verdade. Ela nunca me foi fiel. Ela foi sempre, disfarçadamente, imperceptivelmente e literariamente, infiel.
Eu fui-lhe sempre fiel, mas musicalmente infiel. Não podia ser de outra maneira. (...)
Sextante Editora, Novembro de 2009