sábado, 5 de fevereiro de 2011

Retrato de valter hugo mãe por Graça Martins - acrílico s/tela, 70x80cm, 2011



VANESSA CHRYSTIE




valter hugo mãe

havia um rapaz sem coração que tinha medo de não haver nada para lhe tapar aquele vazio. um dia, sem contar, um pássaro ali se pôs e fez ninho. o rapaz admirado, passou a andar mais hirto, lento, para não o fazer cair. sem contar, ouvindo o canto do belo ser, o rapaz pensou que, se tivesse coração, poderia amá-lo. o pássaro, apaixonado também, imitou o fogo.
havia um rapaz de fogo ao peito com medo de se apagar. havia quem dissesse que era fogo de voar, como um amor se elevava. um dia, tão quente no peito, o rapaz abriu a boca e sentiu o vento descer. tão veloz entrou que levou muita coisa de arrasto. de arrasto ali em surpresa entrou uma boa notícia.
havia um rapaz muito alto que, sem contar, e mesmo sem coração, recebeu uma notícia de que havia alguém para si. o rapaz de vento ao peito, por ser tão alto, ama a sua mulher e ainda se reparte por todos os corações.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Fotos de BERNARD FAUCON






















Dois poemas de ISABEL DE SÁ

NO DESENHO

A ruína atinge a superfície das palavras, abre no texto uma fissura de lume. Escrevo o que tu queres, a morte do dia. No desenho o rosto adormecido contrasta com o escuro traço da grafite. Também ele será pó ou alguma flor subterrânea. Mas ao espelho eu sou a personagem principal que se desloca na realidade imaginária dos meus livros. Escrever é triste e lembra a beleza do Outono.


NEGAÇÃO

Persigo uma exigência obscura, corro o risco de entrar na minha realidade. Exponho-me à vergonha de escrever, à erosão que isso provoca. Ouso desejar o suicídio das palavras, saber o que me resta. Na estranha paixão do esquecimento, na falta de superfície do eu que me reveste, escrevo porque digo sempre o mesmo. E não há nada de secreto, a escrita é apenas arte.
O tempo, essa brecha, abre no poema o nosso rosto, na pele se introduz e arruína. Se o meu espírito estiver destinado a afundar-se, se a potência do mal quiser o meu limite, serei a radical negação.
REPETIR O POEMA. Quasi Edições, Famalicão, 2005

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

AO VENTO EM TERRAMOTOS tiragem reduzida de apenas 80 exemplares, encontra-se à venda no Porto - POETRIA e UTOPIA
Lisboa - POESIA INCOMPLETA e LETRA LIVRE

cofrenocturno@gmail.com



Fotos de Bernard Faucon











O tempo enlouquece-me de tão lento.
Se ao menos eu pudesse
faltar a este espectáculo.
Todos os dias a fugir
do que desejo. A apagar
o que arde em mim.

Magoei-me e tenho cicatrizes,
nao vês porque foste embora.

Chorava se conseguisse.
Se fosse possível voar para
o outro lado da luz,
vencer esta dor sem preço.
Abrigar-me da chuva.

A realidade mata o que sou,
o tempo é mais longo do que eu pensava.


João Borges


AO VENTO EM TERRAMOTOS, Edições cofre nocturno, produções culturais, Lisboa, 2011

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

ARE YOU THERE...

Poema de JOÃO BORGES

Um abalo chega com a aurora boreal:
Seis da manhã, céu limpo. Nuvens douradas
através do vidro, um corpo
adormecido entre os lençois.

Por que é suja a noite, perversa?
Por que regresso ao amanhecer?

Há luzes que não se devem
acender. Queimam
as longas noites dos amantes.


AO VENTO EM TERRAMOTOS, Editora cofre nocturno produções culturais, colecção paciente zero 1, Lisboa, 2011

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Para os amantes de POESIA, o livro AO VENTO EM TERRAMOTOS de JOÃO BORGES vai estar à venda em 4 lugares de culto : Porto - POETRIA e UTOPIA, em Lisboa POESIA INCOMPLETA e LETRA LIVRE. Quem conseguir um exemplar desta raridade é um FELIZARDO...Para os amantes de POESIA os lugares mencionados fazem parte dos seus itenerários...

Poema de JOÃO BORGES

Aqui estão os corpos
alinhados, à espera
do fuzilamento. Encontram
o escuro por dentro,
sem caminho de retorno.

E, longe,
dizem haver luz,
nascimento,
mas não consigo encontrar.
Corro em frente,
para o mesmo lugar,
ando em círculos.
A estrada prolonga-se
até ao deserto onde a noite
é sempre noite.

Fecha os bares onde estou
desencontrado. Leva-me para casa
e adormece-me pela primeira vez.

AO VENTO EM TERRAMOTOS, Edição cofre nocturno, Lisboa, 2011