segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Duas fotos de Robert Mapplethorpe



Gastão Cruz

Revimos a grosseira superfície do
amor
Ninguém pudera corrompê-la tanto
por actos e palavras Estivemos
novamente deitados na aspereza
do seu leito
Um ramo na mão tinhas e quiseste
medi-lo com os lábios e metê-lo

no centro doloroso do teu corpo
Eu via as tuas mãos que procuravam
inseri-lo e guardavam
nas linhas ávidas o seu limite grosso
Interrompeste o
sono magoado do meu corpo
e comigo
dormiste sobre as manchas depois
Egon Schiele - início do expressionismo


Maria Teresa Horta
Segredo

Não me contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Forbela Espanca
Volúpia

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frémito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
-Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...
O Beijo de Klimt - do Simbolismo para a Arte Nova


Mário de Sá-Carneiro
A Inigualável

Ai, como eu te queria toda de violetas
E flébil de cetim...
Teus dedos longos, de marfim,
Que os sombreassem jóias pretas...

E tão febril e delicada
Que não pudesses dar um passo -
Sonhando estrelas, transtornada,
Com estampas de cor no regaço...

Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas -
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas...

Ah! que as tuas nostalgias fossem guizos de prata -
Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata...

Teus beijos, queria-os de tule,
Transparecendo carmim -
Os teus espasmos, de seda...

- Água fria e clara numa noite azul,
Água , devia ser o teu amor por mim...
Carícias de Fernand Khnopff, 1896, pintor simbolista


GEORGES BATAILLE
O Erotismo o proibido e a transgressão
(.....) No momento de dar o passo, o desejo lança-nos para fora de nós, não podemos mais, o movimento que nos arrasta exige que nos quebremos. Mas o objecto desse excessivo desejo, diante de nós, liga-nos à vida que o desejo ultrapassa. Como é doce permanecer longamente perante o objecto do desejo, mantermo-nos em vida no desejo, em vez de morrer indo até ao fim, cedendo ao excesso da violência do desejo! Sabemos que a posse desse objecto que nos faz arder de desejo é impossível. Sabemos que uma de duas coisas sucederá: ou o desejo nos consome, ou o objecto dele deixará de nos abrasar. Só o possuímos sob a condição de que , pouco a pouco, o desejo que ele nos dá se apazigue. Mas antes a morte do desejo do que a nossa morte! Satisfazemo-nos com uma ilusão. A posse do objecto do desejo dar-nos-à sem morrer o sentimento de ir até ao fim dele. Não apenas renunciamos a a morrer, como anexamos o objecto ao desejo, que realmente era desejo de morte, mas que anexamos à nossa vida permanente. Em vez de perder a vida, enriquecemo-la.
Na posse acentua-se o aspecto objectivo do que nos tinha levado a sair dos nossos limites.
(.....) Passo agora a outro elemento, que, embora mais obscuro, não intervém menos no reconhecimento da beleza dum homem ou duma mulher. Um homem ou uma mulher são, em geral, julgados tanto mais belos quanto mais as suas formas se afastam da animalidade.
(.....) Se a beleza, cuja perfeição rejeita a animalidade, é apaixonadamente desejada é porque nela a posse introduz a mancha animal. É desejada para ser manchada. Não por si mesma, mas pela alegria gozada na certeza de a profanar.
Georges Batailles, Moraes editores, tradução - João Benard da Costa, 1968