sábado, 5 de junho de 2010

ZHANG HUAN - INSTALAÇÃO




DOIS POEMAS DE ÁLVARO DE CAMPOS (Fernando Pessoa)

Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...


Não, cansaço não é..
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço porquê?
é uma sensação abstracta
Da vida concreta -
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...


Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.


(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola de outro, e a voz dela!)


Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...