terça-feira, 10 de agosto de 2010

Julião Sarmento


RETRATO ARDENTE

Entre os teus lábios
é que a loucura acode
desce à garganta,
invade a água.


No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.


Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.


Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.


Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.


Eugénio de Andrade

AS PALAVRAS

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.



Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.



Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.



Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?



Eugénio de Andrade