"Como nenhum outro ilustrador, o essencial da sua obra pode ser encontrado algures entre a Natureza e a palavra (nos livros de poesia, capas e miolo; dando rosto aos volumes de ficção; em livro infantil com animais; nas bandas desenhadas que ilustram poemas de Sophia, Pessoa, O’Neill entre tantos outros). Uma parte deste campo visual radica no naturalismo mais despojado, aqui e ali retocado pelas cores vibrantes do acrílico. São lugares (recantos de cidade) e paisagens (de beira-mar), gatos em diversas poses com todos os pêlos (sim, contei-os…), moscas ou objectos. E retratos, de escritores ou de felídeos. A riqueza de pormenor vai do cenário de ópera íntima à dentição completa do peixe. A segunda parte acomoda-se na gaveta dos surrealismos, como se as gralhas dos textos se transfigurassem em híbridos do mundo natural. Tenho-os no aconchego da mão e não me canso de os mirar: aracnídeos em flor, ramos secos que se locomovem em patas de aranha, pássaros que se desfazem em estames e corolas, ausências de branco no coração de um bailado de folhas. Neste reino desenhado de Gaspar com pujante ciência, animal e vegetal e inanimado fazem-se criatura única que evolui perante os nossos olhos na superfície do papel. Uma composição por vezes abstracta que faz todo o sentido. O que parecia arbitrária conjugação de factores pulsa uma naturalidade óbvia, que parece dizer-nos, então não tinhas reparado que os gravetos de pinho são invertebrados de exoesqueleto quitinoso?"
João Paulo Cotrim