segunda-feira, 15 de março de 2010
Poema de João Borges
O FELIZ ANIVERSÁRIO
I
Estou só frente à multidão.
Não tenho esperanças, nem sequer
um desejo a pedir. A trepidação
dos comboios lá em cima
faz-me estremecer o corpo cá em baixo,
mas por dentro
tudo está intacto.
Vejo as vamps e os homens de negócios,
falam ao telemóvel,
mas hoje, já toda a gente
me desejou feliz aniversário
e portanto não falo.
Dentro de momentos dará entrada
na linha 8 o comboio com destino
a Beja, efectua paragem
em todas as estações e apeadeiros
mas eu não vou tomá-lo.
Nem sequer levantar-me daqui
e voltar para casa. Por mais que ande,
por mais que fuja, o lugar, o meu,
é sempre o mesmo.
Anoitece.
Há alguns anos
estaria ansioso pela hora do jantar,
as prendas, contente porque era
mais um ano. Agora é menos um,
para o fim.
As luzes acendem-se na poeira preta
da cidade, e o vento sopra
entre os ossos deste esqueleto,
quase a levar-me com a poeira.
Este esqueleto
nada pensa de mim nem me deu
os parabéns. É fiel
à minha condição. Os carros também,
ao dar-me a noção de que estou
parado: passam nas duas vias,
e lateja a minha ferida.
Longe estão os amigos, as gargalhadas,
e até a noite de véspera,
em claro a olhar para trás.
Como sempre, levantei-me
a horas pouco civilizadas e olhei a minha vida
com a mais implacável indiferença.
João Borges
Gare do Oriente, Lisboa, 10 de Março, 2010
I
Estou só frente à multidão.
Não tenho esperanças, nem sequer
um desejo a pedir. A trepidação
dos comboios lá em cima
faz-me estremecer o corpo cá em baixo,
mas por dentro
tudo está intacto.
Vejo as vamps e os homens de negócios,
falam ao telemóvel,
mas hoje, já toda a gente
me desejou feliz aniversário
e portanto não falo.
Dentro de momentos dará entrada
na linha 8 o comboio com destino
a Beja, efectua paragem
em todas as estações e apeadeiros
mas eu não vou tomá-lo.
Nem sequer levantar-me daqui
e voltar para casa. Por mais que ande,
por mais que fuja, o lugar, o meu,
é sempre o mesmo.
Anoitece.
Há alguns anos
estaria ansioso pela hora do jantar,
as prendas, contente porque era
mais um ano. Agora é menos um,
para o fim.
As luzes acendem-se na poeira preta
da cidade, e o vento sopra
entre os ossos deste esqueleto,
quase a levar-me com a poeira.
Este esqueleto
nada pensa de mim nem me deu
os parabéns. É fiel
à minha condição. Os carros também,
ao dar-me a noção de que estou
parado: passam nas duas vias,
e lateja a minha ferida.
Longe estão os amigos, as gargalhadas,
e até a noite de véspera,
em claro a olhar para trás.
Como sempre, levantei-me
a horas pouco civilizadas e olhei a minha vida
com a mais implacável indiferença.
João Borges
Gare do Oriente, Lisboa, 10 de Março, 2010
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