sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Foto de DAVID HAMILTON


Foto de BOUDICCA

Três Poemas de GARCIA LORCA

Traduzidos por Eugénio de Andrade

GAZEL DO MENINO MORTO

Todas as tardes em Granada
todas as tardes morre um menino.
Todas as tardes a água se senta
a conversar com os seus amigos.

Os mortos levam asas de musgo.
O vento enevoado e o vento limpo
são dois faisões voando pelas torres,
e o dia , esse é um rapaz ferido.

Não ficava no ar nem fibra de calhandra
quando nos encontrámos nas grutas do vinho.
Não ficava na terra migalha de nuvens
quando tu te afogavas no rio.

Um gigante de água caiu sobre os montes
e o vale foi rodando com cães e com lírios.
Teu corpo, com a sombra violeta de meus dedos,
era, morto na margem, um arcanjo de frio.
GAZEL DO AMOR DESESPERADO

A noite não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.

Porém eu irei,
embora um sol de lacraus me devore a fronte.

Porém tu virás
com a lingua queimada por chuva de sal.

O dia não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.

Porém eu irei,
entregando aos sapos meu cravo mordido.

Porém tu virás
pelas turvas cloacas da obscuridade.

O dia e a noite não querem vir
para que por ti morra
e tu morras por mim.
GAZEL DA LEMBRANÇA DE AMOR

Não me leves a lembrança.
Deixa-ma só no meu peito,

frágil cerejeira branca
no martírio de janeiro.

Só me separa dos mortos
um muro de pesadelos.

Dou mágoas de lírio fresco
a um coração de gesso.

Meus olhos, como dois cães,
a noite toda no horto.

A noite inteira, correndo
por uns frutos de veneno.

Algumas vezes o vento
é uma tulipa de medo,

é uma tulipa doente,
a madrugada de inverno.

Um muro de pesadelos
me separa dos defuntos.

A névoa cobre em silêncio
teu corpo, vale cinzento.

No arco do nosso encontro
a cicuta cresce agora.

Deixa-me a tua lembrança,
deixa-me só no meu peito.