quinta-feira, 3 de março de 2011
NARCISO
Sur l'eau bleue et blonde
Et cieux et forêts
Et rose de l'onde
P. Valéry
"Quando me dizes 'Vem!', já eu parti
e já estou tão próximo de ti
que sou eu quem me chama e quem te chama
e é o meu amor que em ti me ama.
Se me olhas sou eu que me contemplo
longamente através do teu olhar
e moro em ti e sou o lugar
e demoro-me em ti e sou o tempo.
Eu sou talvez aquilo que me falta
(a alma se sou corpo, o corpo se sou alma)
em ti, e afogo-me na tua vida
como na minha imagem desmedida:
Sol, Lua, água, ouro,
horizontalidade, concordância,
indiferente ordem da infância,
união conjugal, morte, repouso."
Manuel António Pina, Cuidados Intensivos, Afrontamento, Porto, 1994
Poema com dedicatória de valter hugo mãe
maldição contra quem não ama quem deve
para a isabel de sá e para a graça martins
o grande amor da sua vida não era aquele homem. tinha-se guardado, quando nova, para um rapaz que vira retirar da mão uma flor. foi por ter visto tal magia que julgava virem as flores da vontade dele e lhe pôs o coração em pensamento. à noite, no silêncio mais absoluto, achava que por dentro o sangue revirava em espirais como pétalas juntando-se. e era verdade que o quarto se perfumava para espanto dos seus familiares. assim, casada com aquele homem, ela pensava apenas que um dia tudo mudaria. à custa dessa ideia, cortou-lhe a cabeça e viu-o morrer sem perder a convicção de que o futuro lhe traria a mais absoluta alegria.
contabilidade, poesia 1996-2010». alfaguara, novembro de 2010, capa com fotografia de nelson d'aires.