terça-feira, 17 de maio de 2011

Feel No Pain
















Graça Martins, acrílico s/tela, 80X120cm, 2006

Poema de MARIA TERESA HORTA



DESATINO

à Graça Martins


Ela mostra uma
folha?
Guarda uma alga?
Usa uma arma?

Descobre o seio
Encobre o seu destino.

Finge dormir
à beira-mar do sonho.

Morre de paixão
sem desatino.


(sobre um um quadro de Graça Martins,
"Feel no Pain")

BOTTICELLI - Vénus e Marte








Poemas de MARIA TERESA HORTA



NEM SÓ


Nem só do teu silêncio
direi raiva
nem de todo o meu corpo
direi vício

nem de todo o pénis
direi arma
e apenas do teu direi ter sido

Quando o vácuo é de
vingar
ou de vergar
cravando sobre os seios a sua enxada

Quando a minha boca se conjuga
no baixo do teu ventre
e tua espada...

nem de todo o desejo
direi verão
nem de todo o grito
a tua imagem

nem de toda a ausência
direi chão
e só de teus flancos
a viagem


Maria Teresa Horta


Educação Sentimental, Editorial A Comuna, Lisboa, 1975

Dream Brother My Killer My Brother























Graça Martins, acrílico s/tela, 120x80cm, 2010
O IMPOSSÍVEL


O impossível, a desatenção prestada
aquilo que é terror e eu não entendo
esse triste e vicioso pensamento
essa navalha aberta sobre o nada

O crime só existe se o invento
muito mais real que o imaginado
tornando a verdade no intento
sendo o intento já a raiva inesperada

Resguardou-se o sangue e a lâmina da faca
recolheu-se da vida simplesmente o nada
aquele meigo espaço que doendo
é já no peito a morte inesperada


Maria Teresa Horta


Destino, Quetzal Editores, Lisboa, 1998
DO EXCESSO

Tu deslizas, tu moves
e tu escutas
tu lutas por escapar na tua rusga

Tu escusas de atentares
e de ficares
agachado no silêncio à minha escuta

Tu, doce ou agressivo,
tanto monta

Tu monte ou mar
tanto se usa

Se aí ficas preso
nesse esgar
a tentar entender a minha fuga

Tu partes e regressas
estás atento
a cada gesto feito à minha beira

Dispões o disponível
e não despes
senão o que tu queres e eu não queira

Tu escutas o escusado
e só no excesso
me encontrarás a beijar-te o corpo todo

Sou eu que ponho aquilo
que tu vestes
e disponho daquilo que tu escondes

Tu, rápido, exacto
e – por que não? – perdido
rasgado no meu peito o tempo todo

Irás descobrir-me
na paixão

Pois só aí eu sou
e aí me encontro


Maria Teresa Horta

Destino, Quetzal Editores, Lisboa, 1998
MORRER DE AMOR


Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso



Maria Teresa Horta




Poemas de Amor, Antologia de Poesia Portuguesa, Organização e prefácio - Inês Pedrosa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2001

KHNOPFF



Recomendo a leitura do blog - É TUDO GENTE MORTA - a propósito de ELIZABETH SIDALL

http://www.etudogentemorta.com/2011/03/page/6/

A propósito do livro ADOECER de HÉLIA CORREIA

Publicado em Março (2010)passado pela Relógio D’Água, Adoecer, romance de Hélia Correia (n. 1949), mereceu uma excelente recepção crítica. Os elogios apontaram, sobretudo, uma escrita rigorosa e um esmerado trabalho de pesquisa documental. É este segundo elemento o que mais se impõe a quem leia o romance. Excelentemente escrito, cuidadosamente montado, pode por vezes sufocar o leitor menos preparado para a densidade informativa condensada ao longo de quase 300 páginas. Tendo como pano de fundo a Irmandade Pré-Rafaelita, grupo de artistas fundado em Inglaterra à entrada da segunda metade do séc. XIX, este livro não escapa a uma caracterização social da época, focalizada, mormente, nos aspectos morais que determinavam e definiam uma clara clivagem entre classes e géneros. Neste sentido, Adoecer pode também ser interpretado à luz do papel que as mulheres ocupavam na era vitoriana. Isto fica claro logo nas páginas iniciais ─ «Apenas uma espécie de mulheres, para além das rameiras, exibia a cabeleira solta» (p. 18) ─, sendo inúmeras as considerações que ao longo da narrativa nos enquadram o contexto que confere um certo grau de excepcionalidade à figura central desta história: Elizabeth Siddal (1829–1862), ou simplesmente Lizzie, «o modelo mais famoso dos Pré-Rafaelitas» (p. 20).
Trata-se, pois, de uma obra de ficção, como a autora fez questão de sublinhar numa nota final, que procura reconstruir uma situação autêntica tendo em conta os múltiplos aspectos que contribuem para essa reconstrução. Não se tratando de uma biografia de Elizabeth Siddal, este romance mantém um elo de verosimilhança com a verdade histórica que logra tornar mais fidedigna a reconstrução assim operada do que aquela eventualmente oferecida pela literatura de índole biográfica. Não deixa de ser sintomático que, a páginas 119, Hélia Correia reflicta sobre o assunto: «Os escritores de biografias redigem com os pulsos amarrados. (…) Não lidam com cadáveres mas com factos, os quais não sofrem decomposição. Empreendem esgotantes caminhadas e aqueles que têm asas não as usam. São gente dedicada ao pormenor, ao que pode observar-se e não ilude». Retirando os factos dos frascos onde a História os conserva, o romancista como que tem a capacidade de revivê-los. Não estará tão interessado em dissecá-los e reconstrui-los como poderá estar em dar-lhe uma nova vida, isto é, em deixar que os factos falem à imaginação. Dar uma nova vida aos factos é, neste caso, procurar revivê-los.Deste modo, é evidente a força simbólica que subjaz à organização dos dados. Adoecer começa com uma visita, em 2005, ao Highgate Cemetery, onde Elizabeth Siddal foi enterrada e desenterrada. De resto, há toda uma estética necrófila que não deixou Lizzie em paz com a vida e, pelos vistos, não a deixará em paz com a morte. “Eternamente moribunda”, Lizzie ficará para a história não propriamente enquanto poeta e pintora, mas como a modelo que se fundiu com o objecto da representação na Ophelia de Sir John Everett Millais (1829–1896). «Millais pintou aquilo que jamais tencionou pintar: o incitamento às emoções necrófilas» (p. 60) É um facto que Lizzie adoeceu durante as sessões. Não obstante, a aura de mistério que envolve toda a sua existência não deverá ser apagada por explicações tão lineares. Do surgimento dos Pré-Rafaelitas à Ophelia de Millais, pintada em 1852, daqui ao encontro com Dante Gabriel Rossetti (1828–1882), há toda uma história que merece ser contada sem intentos simplificadores. E essa história é não tanto a da biografia de Lizzie como aparenta ser a de uma “relação patológica” mantida com Dante Gabriel Rossetti, o nome maior da Irmandade. Ter adoecido confunde-se, aqui, com um encontro onde o amor andará de braço dado com o impulso da criação.Pautada pelo escândalo desde o início, a relação entre Dante Gabriel Rossetti e Elizabeth Siddal começa quando os dois vão viver juntos, à margem do que era moralmente aceitável no tempo vitoriano, para uma casa em Hampstead Heath. De raízes diversas, havia algo que os ligava intimamente. Ela odiava obrigações domésticas, ele não nutria qualquer respeito pelas convenções. Ligava-os o prazer de arriscar uma oportunidade de beleza. Hélia Correia pinta-nos esse risco. Para tal, chama à liça várias personagens que à época influenciavam ou se relacionavam directamente com o casal; desbrava o romantismo da intimidade, não esquecendo o reflexo que a relação produzia nos olhos dos outros. O retrato de Lizzie começa por ser o de uma mulher de feridas recalcadas, o de uma mulher que adoece perante a vida dúplice do marido, como se o seu encantamento adviesse daquilo que a matava: «Estava a adoecer com elegância, e o seu talento para a passividade construía uma imagem sedutora, a de alguém que se inclina para o chão, da folha que se deita para o Outono» (p. 105). No fundo, é o retrato de uma mulher/modelo impedida de se afirmar simplesmente enquanto mulher.Este adoecer não se compadece com os espartilhos das relações afectivas convencionais. Naquele tempo, para aqueles artistas, o amor e a morte confundiam-se, eram duas faces de uma mesma moeda. O revivalismo romântico conferia ao erotismo uma dimensão lúgubre. Lizzie encarnava essa morte ambulante que fascinava os artistas do meio onde se achou cativa. De certa forma, ela era em carne e osso o que Dante Gabriel Rossetti almejava em termos artísticos. E essa foi a sua cruz. «Gabriel não via Lizzie, via apenas a sua própria construção mental, uma figura de mulher inexistente» (p. 173). A impossibilidade de um amor verdadeiro, autêntico, que não estivesse (conta)minado pelas ambições artísticas, empurrou Lizzie Siddal para o ópio, como que numa ânsia de supressão da realidade ou fuga de si mesma. Quando Dante acordou, era demasiado tarde. ««Podia ter agido e não agi», lê-se num verso» (p. 243). O remorso e o sentimento de culpa tomaram conta dele, tentou remediar o arrependimento com o casamento, mas Lizzie já se havia transformado no fantasma que o perseguiu até ao fim da vida. Mais que um romance sobre artistas, este é um romance onde o amor se encontra com a morte sob o signo da beleza, onde a beleza e o amor se afirmam paradoxalmente pela sua aparente impossibilidade.
Escrito para o
Rascunho.

A VERDADEIRA MORTE DE OPHELIA


Lizzie apontou para o láudano. Parecia ainda um desafio, mas não era. Estavam para além da medição de forças. Quando ela ameaçou que tomaria uma dose perigosa se ele saísse, Gabriel pegou no frasco e entregou-lho.«Toma-o todo», disse. E bateu com a porta.A mão da lenda entrava pela janela, rearrumando tudo como queria. Que Gabriel, dominado pela exasperação, dissesse aquela frase terminal não consta, é claro, dos escritos de família. Foi Oscar Wilde quem transportou esse rumor para dentro do tinteiro dos biógrafos. Porém, durante trinta e cinco anos, ele manteve-se vivo, preservado por pequenos murmúrios, até chegar à alma do irlandês. Fazia parte de uma história resistente, de uma história perfeita no seu mal. É essa a mesma história que nos conta que, ao voltar para casa, Gabriel deu com Lizzie encostada às almofadas, de olhos fechados. Respirava como quem se acha profundamente adormecido. Gabriel tentou, em vão, que ela acordasse. Ao tocar-lhe nos ombros, deparou com uma nota presa na camisa. «A minha vida é tão miserável que não a aguento mais», escrevera. No frasco que caíra aos pés da cama não restava uma gota de láudano.
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