As Bonecas de Bellmer"Eu penso que as diferentes categorias de expressão - postura, movimento gesto, acção, som, palavra, imagem visual, disposição dos objectos - nascem todas do mesmo mecanismo, e que a sua origem apresenta uma estrutura similar."
Hans Bellmer
A imaginação erótica do artista alemão Hans Bellmer data do início dos anos 20, altura em que trabalhava como ilustrador e designer gráfico para companhias editoriais em Berlim.
O tema central da sua obra, a erotização do corpo e o interesse por raparigas mecânicas, coincide com a idealização surrealista da feminilidade infantil e inocente. A mente inalterada, pura e instantânea. Este era o assunto que inspirava o estilo e revolta do movimento surrealista que procurava contornar as forças do racionalismo. Debate que anos mais tarde Bellmer iria apropriar-se ao entrar em contacto com os intelectuais parisienses ligados a André Breton. A primeira boneca (Die Puppe) surgiu em 1933. A aparição das bonecas na vida de Bellmer deu-se por três motivos: um encontro com uma prima afastada, Ursula Naguschewski, que foi viver para Berlim em 1932; assistir a uma performance de Jacques Offenbach's "Tales of Hoffmann", em que o protagonista se apaixona tragicamente pela autómata Olympia, e um descarregamento de uma caixa de brinquedos enviada pela mãe de Bellmer deixando-o em extâse.Fascinado com a nostalgia e saudade de tempos passados Bellmer adquiriu uma necessidade de "construir uma rapariga artificial com possibilidades anatómicas. Capaz de reinventar os maiores níveis de paixão e de estimular novos desejos".E assim foi. Bellmer pediu auxílio à prima e juntos tiraram mais de 100 fotografias de bonecas desmembradas usando um formato narrativo em que as esculturas seriam posicionadas de forma a criarem configurações grotescamente sexuais e altamente provocatórias. As bonecas viam-se inseridas em diferentes cenários do mais surrealista imaginário. As imagens resultantes suscitavam um misto de atracção e repulsa. Uma beleza mórbida contida na decadência urbana, erotismo e abuso físico. As bonecas eram também uma arma de combate cerrado ao fascismo da época corrente. Reminiscências de uma cultura que não foi engolida de ânimo leve por Bellmer que passou a utilizar os seus brinquedos de criança para deformar em corpos mutilados de jovens inanimadas.Esta revolta não se tratava de uma simples reprodução do genocídio nazi mas antes de uma ofensiva crítica a uma ideologia do perfeito e puro. A aparência das bonecas assemelha-se a autómatos desequilibrados, reproduções humanas de contornos roliços, e mesmo fálicos, ou simplesmente seres mecanizados sem força motora para agir, nem capacidade para lutar pela sua vida e dignidade.