sábado, 7 de abril de 2012
Dois poemas de Amadeu Baptista
FRIDA KAHLO E OS DESENHOS DO MUNDO
Creio que a adolescência tocou o teu rosto
para fazer crescer a perturbação ainda hoje visível no olhar, o modo surpreendente
como os cabelos deslizam para a brancura
são a prova inequívoca do enigma, o vaticínio marca-te no rosto um pouco dessa tristeza avassaladora e ténue de quem atravessa
uma cidade para se perder no instante
de uma fonte, mão que toca a cor imponderável
das coisas para extrair do passado
uma medida de ferro, um fio de oiro,
um pássaro azul. Vejo-te passar nesse navio longínquo que há-de um dia pertencer ao vento, decifro o reflexo de um brilho que te sobe
para os ombros como o frágil ramo
de uma árvore vivaz e suavemente flutua
sobre a transparência para identificar o anjo
que te precede, um pouco após o sinal redutor da inocência e a infinita doçura de quem foi perseguido e arrancou das entranhas
subtílimos silêncios para resistir ao assédio
das pedras, os poderes aniquiladores, o rumo das coisas quando a tempestade triunfou
sobre a tempestade e a memória entregou
o resgate de não haver resgate.
Deste lugar te avisto e avisto o mar,
esta passagem conduz ao indizível encontro com as estrelas, sol e noite, os mínimos percalços que a natureza desoculta das sombras e faz explodir em fragmentos translúcidos
onde se inscreve a mensagem,
uma última notícia do paraíso perdido
em que um traço de luz corresponde
ao augúrio da brisa, a voz secreta que nos une
e separa, a palavra onde o deslumbramento
é um labirinto que pela alucinação
percorremos no incontornável fulgor
de um momento perpétuo.
Creio que a adolescência tocou o teu rosto
para fazer crescer a perturbação ainda hoje visível no olhar, o modo surpreendente
como os cabelos deslizam para a brancura
são a prova inequívoca do enigma, o vaticínio marca-te no rosto um pouco dessa tristeza avassaladora e ténue de quem atravessa
uma cidade para se perder no instante
de uma fonte, mão que toca a cor imponderável
das coisas para extrair do passado
uma medida de ferro, um fio de oiro,
um pássaro azul. Vejo-te passar nesse navio longínquo que há-de um dia pertencer ao vento, decifro o reflexo de um brilho que te sobe
para os ombros como o frágil ramo
de uma árvore vivaz e suavemente flutua
sobre a transparência para identificar o anjo
que te precede, um pouco após o sinal redutor da inocência e a infinita doçura de quem foi perseguido e arrancou das entranhas
subtílimos silêncios para resistir ao assédio
das pedras, os poderes aniquiladores, o rumo das coisas quando a tempestade triunfou
sobre a tempestade e a memória entregou
o resgate de não haver resgate.
Deste lugar te avisto e avisto o mar,
esta passagem conduz ao indizível encontro com as estrelas, sol e noite, os mínimos percalços que a natureza desoculta das sombras e faz explodir em fragmentos translúcidos
onde se inscreve a mensagem,
uma última notícia do paraíso perdido
em que um traço de luz corresponde
ao augúrio da brisa, a voz secreta que nos une
e separa, a palavra onde o deslumbramento
é um labirinto que pela alucinação
percorremos no incontornável fulgor
de um momento perpétuo.
A NOITE DE PAVESE
Raras vezes me franquearam a porta
e deixaram entrar. A febre
sitia-me a alma e quem me vê
assusta-se do aspecto do meu rosto,
esta barba por fazer onde um rouxinol
se esconde. E mais ainda assusta
a minha altura, este lugar de vertigem
e palavras poderosas, a presença
de ilimitados segredos que ninguém quer conhecer, o estremecimento que corre
nos meus ombros. Embora nada peça, sabem que sou um pedinte. E quando entro nas casas os meus gestos afeiçoam-se a alguma coisa enigmática que contorna o pavor e o entrega
por não se saber que espécie de vida
ou de morte vem comigo. Obviamente, eu abençoo quem me deixa entrar, dou a entender
que alguma coisa brilha nas minhas mãos
e posso matar a fome com uma ou outra palavra próxima do amor, um dedo nos cabelos
de quem me recebe. Subi as escadas que vão dar a esta casa em silêncio e em silêncio aceitei
que me aguardassem com as inefáveis sombras que vejo nos outros e tento decifrar para meu contentamento. Mandaram-me sentar
e deram-me de beber. Esse álcool
reconfortou-me a alma. E a minha gratidão expressa-se deste modo, limpo e nítido, observando a mulher nesse sem fim das coisas, onde todos os mistérios avançam
para uma explicação que a qualquer momento pode irromper do espírito como uma explosão.
Olho-te nos olhos e recebo as duas moedas
que me ofereces, o teu rosto é-me familiar
se recuar à infância e subitamente perceber
que também pertenci ao exercício desta árvore
que nesta sala se levanta. Em frente,
na fotografia que o meu olhar alcança
porque me alcança o olhar que dela
se desprende, inscreve-se o enigma que me fez aqui chegar, mais que um rumor ou um fio ténue com o nome de todas as coisas inesperadas que me aconteceram na vida, sempre que me franquearam a porta e deixaram entrar. Agora, com a memória de ter estado
em tua casa e ter recebido a graça de alguma atenção, eu, que sou pedinte embora nada peça,
entrego-te este sulco da desordem
sobre a página em branco e agradeço-te
com o conhecimento de um outro mundo
ainda mais inexplicável. Não tendo havido despedida, sabe que permaneço
e na encruzilhada das dores que me couberam viver não esquecerei o teu nome no dia
em que também tiver partido
e mais nenhuma luz houver além daquela
que ilumina o teu rosto na solidão da noite.
Os anjos esperam-me. Não me é possível demorar. Que me seja a alba a tua tolerância.
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