Nesta manhã de Agosto encontrei o papel onde tinha escrito a idade em que Blaise Cendrars perdeu a mão direita e fiquei a sentir a dor que me atormentava. Não tomei aspirina nem esqueci a tua carta de ontem, aquele momento em que dizes eu querer arrastar-te comigo "para esse universo onde a vida é trocada por palavras".
Tenho lido os poetas da minha geração. Conheço o primeiro poema, aquele que inaugurou a vida, também em mim. Cansada de ir à praia, à piscina, procuro livros, uma emoção linguística, o verso desconhecido. Guardei uma frase de Musil, na caixa onde tenho os selos, um minúsculo relógio que decidi não usar.
Não posso viver sem a música de Schubert, ou aquela peça de Brahms - tudo isto são palavras, a vida passa-se lá fora, o Inverno há-de vir e não poderei totalmente fugir ao desconforto.
Falava-se de As Túlipas e começo a entender. Esta música, estas palavras, a morte na dobra do lençol, meu frio corpo na penumbra, no paraíso inicial da anestesia. Perdida a razão no inferno da dor, a cabeça irreal, meu poema esquecido na margem do sono. A morfina, as enfermeiras, tudo o que pudesse polir o tormento.
E hoje acabei por tomar aspirina, gastar o rosto, permanecer em casa.