sábado, 26 de setembro de 2009


JOSÉ LUÍS PEIXOTO

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,

como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

JOÃO BORGES


Ao longe está a vida. Sinto
que tenho muita idade.
Estou cansado e desiludido.
É como se já tivesse feito o percurso.

Dentro de mim, alastra
a tristeza e a vontade de não estar.

O Largo de S.Domingos é caótico,
os carros quase se atropelam,
as pessoas, velhas, feias, mal vestidas
e quando falam parecem alucinadas;
grupos de jovens,
não têm a noção de que mundo é este
e entregam-se
ao paraíso ficcionado para eles.

Em mim, a solidão de um amor
que se desfaz e se repete.
Tudo é sombrio.Há o silêncio que
equivale à morte
e o meu cadáver esquecido no deserto.
No entanto, o coração insiste em bater,
os pulmões respiram e acabo por viver mais
um dia e outro.

Brilho no Escuro, nº2, Setembro, 2009
ISABEL DE SÁ


LONGA É A NOITE


Quando me vou embora
não sei. Peço-te
só um murmúrio
mostra-me o rosto.

Quando me vou embora
a infância foge.
Aquela última vez
à procura do fim.

Peço-te
só um murmúrio
mostra-me o rosto
fala-me de suicídio
para que possa chorar.


Brilho no Escuro, nº2, Setembro, 2009