São outras as paisagens quando alguém as vê pelas janelas do seu próprio coração ou quando com esse coração a própria estrada está comprometida.
Rebentação, & etc, Lisboa, 1984
DUAS FOTOS DE ISABEL DE SÁ
Foto de Graça Martins, 1977
Foto de Graça Martins, publicada no Jornal Expresso/ 17 de Setembro de 2005
integrada no texto de António Guerreiro "O rosto e as máscaras", a propósito
do livro Repetir o Poema.
Poema de ISABEL DE SÁ
publicado na revista RELÂMPAGO nº18, Abril de 2006
A VERDADEIRA BIOGRAFIA
A minha biografia é evidentemente excepcional. Tive um Pai uma Mãe nasci numa Casa fui à Escola da vila depois do concelho. Mudei de distrito para continuar e o caminho da instrução concretizou-se na Faculdade de Belas Artes.
Da infância passada em plena Natureza lembro a beleza das estações do ano os rituais católicos uma criada preferida o instante em que aprendi a ler. Chegou a adolescência e com ela a certeza Quero ser professora de Desenho. Suponho que a Biblioteca me salvou do desastre interior. Tinha dezassete anos e requisitei "Uma Época No Inferno" de um rapazito chamado Jean-Arthur Rimbaud.
Na Biblioteca o empregado olhava-me sempre com reserva. Eu estudava o quê? Um dia livros de medicina outro dia de poesia. Então a ciência é poética?
A entrada na vida adulta aliada à independência e ao amor: O meu país sofreu uma revolução. A democracia não honrou ainda a sua palavra. Cumpro deveres e não posso usufruir de direitos proporcionais. Eu e alguns milhares neste sentimental canto europeu sob um regime semiditatorial contribuo para a sopa e os vícios de alguns milhares de parasitas.
Mudando de assunto a pátria é grande e a família também. Para mim já passou o meio século. Já foi o Pai a Mãe e o Irmão mais velho. Estou por cá à espera certamente.
Não é provável que me entregue. Conheci o galinheiro do confessionário ajoelhei-me diante do altar da virgem. Apaixonei-me.
Também recebi um terço de prata no dia da comunhão solene. E na hora exacta o óleo perfumado do crisma.
Sempre que vou a uma missa de corpo presente lá está o mesmo altar com a deslumbrante virgem. Entretenho-me a recordar que já tive quinze anos e também adorei.
Depois a Páscoa a soturna via sacra onde sofria pela minha dor e as beatas exibiam lágrimas como dádiva pelo calvário a que Jesus foi sacrificado.
Jesus era belo na sua passividade. Os longos cabelos o olhar suplicante as pernas o tronco liso o ventre. Por fim a entrega. Braços abertos para o bem e para o mal.
Agora neste dois mil e seis trata-se de insistir. Já é tarde para quase tudo. Os meus contemporâneos alimentam uma curiosidade fétida. A obra é minha. Faço o que quero. Escondo rasgo mostro transformo entrego ao crematório deixo aos herdeiros ao vaticano não deixo.
Nunca esmolei. Não fui pobre. Mas os sinais da exclusão o ódio é tão luminoso que seria patético psicotisante até não articular sequer estes versos antes da eutanásia.
Página daHISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, 2002 ANOS 70 e 80 -POESIApor FERNANDO PINTO DO AMARAL