terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Poema de João Borges
Gosto de andar nu pela casa. Estou farto de me esconder. Mas que sangue me percorre as veias?
O meu quarto cheira a fumo porque ardo constantemente. Deito-me a cantar baixinho. Quis mãos de muitos corpos, mas o meu fundo é negro. Pouco ou nada me pertence. Morrerei e as cinzas ficarão nas ondas onde corpos que tanto desejei se irão banhar.
Que sono me fecha os olhos, que morte? De onde vem, agora, este colapso.
Estou sempre com sede, nunca me canso de beber. Visto-me de preto porque a luz me incomoda. E nunca digo”É agora”. Nunca senti que pudesse ir.




Poema de João Borges

COISAS QUE ME ULTRAPASSAM

Daqueles dias em que acordo
e demoro horas até
finalmente me levantar.

É doloroso
reentrar no mundo.
Recuperar do apagão da manhã,
em apenas cinco minutos dizer
“Isto é a vida”

Deixar que o dia aconteça
e pereça sobre mim.

Esta noite talvez vá a algum bar,
rodeio-me de amigos
e perco a noção de como tudo
foi penoso.

Não percebo como
“Isto é a vida”

Ninguém me sabe dizer
que lugar é o meu.

Onde encaixam
os meus passos:
há sempre Douro e há sempre
Santa Catarina ou o Almada,
há sempre dormir em camas
que se transmutam.
Enfim, há sempre por
onde escapar.

Um dia, direi que estava
perdido.

Verei a beleza da chuva, absoluta.

Agarrei-me a um lugar
perdido no meu corpo, para não
me lembrar de coisas

que me ultrapassam.
Metáforas, sílabas: máscaras.
Nunca poderei sentir
isto por mais ninguém.
É inevitável que adormeça
mal e sobre ti.

Acorde desses
pequenos nadas,
dizendo
“Isto é a vida”