sábado, 6 de dezembro de 2008

HANDEL cantado por FARINELLI

LASCIA CH'IO PIANGA MIA CRUDA SORTE


Duas fotos de Miguel Ribeiro por Graça Martins
Arquivo dos anos 80

ERIK SATIE

Escritos em forma de grafonola

Após uma adolescência bastante curta, tornei-me um jovem normalmente potável, não mais do que isso. Foi nesse momento da minha vida que comecei a pensar e a escrever musicalmente. Sim.
Ideia deplorável!...ideia muito deplorável!...
Isto porque não tardei a usar uma originalidade (original) displicente, fora de propósito, anti-francesa, contra-natura, etc, decidi retirar-me para as minhas terras e passar os meus dias numa torre de marfim - ou de outro metal (metálico).
Foi deste modo que tomei o gosto pela misantropia; que cultivei a hipocondria; e que fui o mais melancólico ( de chumbo) dos humanos. Fazia pena ver-me - mesmo com um lornhão de ouro contrastado. Sim.
E tudo isso me aconteceu por culpa da Música. Esta arte fez-me mais mal do que bem, embrulhou-me com muita gente de qualidade, muito distinta, elegantíssima, muito «como deve ser».
Adiante. Voltarei a este assunto.
Pessoalmente, não sou bom nem mau. Oscilo, diria.
Também nunca fiz realmente mal fosse a quem fosse - nem bem, de resto.
Todavia, tenho muitos inimigos - fiéis amigos, naturalmente. Porquê? Isso deve-se apenas a, na maioria, nao me conhecerem, ou conhecerem-me em segunda mão, por terem ouvido dizer (são mais as mentiras que os mentirosos), em suma.
O homem não pode ser perfeito. Não lhes quero mal de maneira nenhuma: são as primeiras vítimas da sua inconsciência e falta de perspicácia...pobre gente.
Assim, lamento-os.
Adiante. Voltarei a este assunto.
Quando era novo disseram-me: Verás, quando tiveres 50 anos. Tenho 50 anos. Não vi nada.
Ravel recusa a Legião d'Honra mas toda a sua música aceita-a.
Nada de Casernas
Nunca ataco Debussy. Só os debussystas me incomodam. Não há uma escola Satie. O satismo não saberia existir. Teria de contar com a minha hostilidade.
Em arte, a escravatura não é possível. Esforcei-me sempre por despistar os seguidistas, pela forma & pelo fundo, em cada nova obra. É o único meio, para um artista, de evitar tornar-se um porta-bandeira, vale dizer-se mestre-escola.
Agradeçamos a Cocteau por ajudar-nos a sair dos hábitos de chateza provinciana e professoral das mais recentes músicas impressionistas.
Nada de Confusões
Entre os músicos, há os mestre-escola & os poetas. Os primeiros impõem-se ao público & à crítica. Citemos como exemplo de poetas Liszt, Chopin, Schubert, Moussorsky; de mestre-escola, Rimsky-Korsakov. Debussy era o tipo de músico poeta. Na sua esteira encontram-se numerosos tipos de músicos mestre-escola. (...)
O ofício de Mozart é ligeiro, o de Beethoven pesado, o que poucas pessoas podem compreender; mas ambos são poetas. Aí está tudo.
P.S. - Wagner era um poeta dramático.
edição & etc, Lisboa, 1993
Tradução, organização e notas: Célia Henriques e Vitor Silva Tavares