domingo, 10 de maio de 2009
LUTO E MELANCOLIA
Freud evocou diversas vezes o sonho como modelo de delírio e o luto como modelo da depressão. Na sua auto-análise, o luto desempenhou um enorme papel, e temos o direito de supor que no processo psicanalítico que elaborou por analogia com a sua auto-análise esteja infiltrado por esse modelo.
Efectivamente, o procedimento científico consiste em esclarecer o desconhecido através do conhecido, constituindo este último um conjunto, uma rede de elementos, um modelo. O modelo apenas tem valor heurístico se conseguir realmente iluminar o que até aí era desconhecido.
Nesta perspectiva, podemos examinar a patologia da mudança sob o ângulo do luto; na história das ideias postulamos diversas vezes, de acordo com Aristóteles (Problemata 31, 1), a existência de um elo entre a depressão e a criatividade. A análise poderia ser considerada como uma tentativa de restaurar o equilíbrio depois de uma ferida narcísica, de uma perda da imagem ideal do Eu.
Em Luto e Melancolia, Freud descreve o trabalho de luto como derivando da "exigência de retirar toda a libido dos laços que ainda o prendem ao objecto" (perdido)..."Cria-se então, uma revolta compreensível",depois "o respeito pela realidade leva-a". Esta tarefa é conseguida ao longo de um processo em que "o desprendimento da libido é realizado. Cada recordação, cada esperança através das quais a libido se fixou no objecto, foram apostadas no trabalho, sobre-investidas". Podemo-lo aproximar do trabalho interior que acontece na análise.
Assim, o processus terapêutico desenvolve-se no tempo para alcançar uma mudança interior.
Narcisismo e Estados-Limite, Jean Bergeret e Wilfrid Reid
Levinas, em A Utopia do Humano, descreve como o homem se vê entregue à influência do ser, ao seu anonimato tenebroso que faz desaparecer todas as formas e que, em breve, submerge. Ao terror de sentir a despersonalização que se lhe segue, chama ele de experiência do há. Esta reflexão faz eco, em primeiro lugar, das recordações da infância: «Dorme-se sozinho, os adultos continuam a vida; a criança sente o silêncio do seu quarto como sussurante. Ela está acordada? Nesse silêncio e nessa solidão nocturnos, só permanecem, com efeito, o peso do ser e a monotonia absurda do tempo, incapazes de dar sentido à identidade.»
Levinas in A Utopia do Humano
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