sábado, 9 de agosto de 2008

Fragmento de entrevista com Cindy Sherman por Margarida Medeiros

"Margarida Medeiros - Se eu lhe perguntasse directamente, o que é que procura com a sua obra, acha que conseguia responder?
Cindy Sherman - Não sei. Diria que me interesso pelo funcionamento dos estereótipos, e pela forma como estes se relacionam com as diferenças do género.
M.M - Essa preocupação com o género, ou com a sua definição cultural, fá-la sentir-se próxima de uma atitude feminista? Uma grande parte da crítica e apreciação do seu trabalho provém dessa área.
C.S. - Sim. Eu acho que o trabalho funciona definitivamente dessa forma. Mas eu tento não ser tão "política", não está nas minhas preocupações impingir ideias a martelo, apenas abrir um espaço no pensamento das pessoas."
Fotografia e Narcisismo, Margarida Medeiros, Assírio &Alvim,2000
Auto-retratos de Cindy Sherman




Baco de Cindy Sherman



Baco de Caravaggio



Graça Martins, instalação, 2006
Galeria Símbolo, rua de Miguel Bombarda, Porto

POESIA E VERSO LIVRE: ABOLIR AS VELHAS FORMAS

Em Baudelaire (1821-1867, que define o poder encantatório das palavras e se dedica a decifrar, através das correspondências, o mistério da criação, encontram Verlaine, Rimbaud e Mallarmé um precursor. Este último é o autor de uma definição que passa a ser o credo de muitos poetas: " A Poesia é a expressão, pela linguagem humana reconduzida ao seu ritmo essencial, do sentido misterioso dos aspectos da existência : por isso ela confere autenticidade à nossa estada e constitui a única tarefa espiritual."

A fórmula do verso livre dispensa a contagem das sílabas. O seu número e repartição são livremente fixados em função da respiração ou da busca de musicalidade. A questão da sua paternidade é levantada um ano depois da afirmação de um simbolismo na literatura (ver manifesto). Gustave kahn (1859-1936) assina, nos seus Palais nomades (1887), uma primeira certidão de reconhecimento, certidão que confirma dez anos depois, no "Prefácio" aos seus Premiers poèmes. Mas o director da revista la vogue não podia ignorar os poemas de Rimbaud, nomeadamente "Marinha" e "Movimento", que este enviara para publicação em 1886, nem os Derniers vers de Jules Laforgue (1860-1887) e as traduções que este fez de As Folhas de Erva, do poeta americano Walt Whitman (1819-1892). Paul Valéry (1871-1945), muitos anos depois da "deliciosa emancipação" saudada pelo seu mestre Mallarmé, irá restabelecer, com La Jeune Parque (1917), uma ordem prosódica rigorosa.

Séverine Jouve, jornalista e escritora

Rimbaud


Graça Martins, acrílico e colagem s/tela

EROS

"É preciso reinventar o amor" (Rimbaud)

"O amor nunca se misturou tanto com acrimónia, fel, desavenças e remorsos como na época do simbolismo", sublinha Ernest Raynaud (1864-1936) em La Mélée symboliste. Entre a pura fruição sensual, pela qual Mallarmé pretende encontrar "o pesado sono sem sonhos" e esse furor novo de castidade que leva os poetas a só quererem amar em imaginação, manifesta-se a partilha indecisa da alma e do corpo. Querendo responder a Rimbaud ("É preciso reinventar o amor"), o simbolismo irá constantemente espiritualizar a carne ou materializar o espírito. A androginia é uma das formas deste erotismo perverso.

"Efebo de castidade assassina", a princesa d'Este de Le Vice suprême, de Péladan (1884), é uma das heroínas ambíguas em cujas mãos o homem se transforma em instrumento submisso. O austríaco Sacher-Masoch (1836-1895), autor de A Vénus das Peles (1870), ilustra bem esta nova forma de amor a que o alienista Krafft-Ebbing viria a chamar"masoquismo". (Psychopathia sexualis, 1886). A luxúria e a morte sobrepõem-se. Ambivalência de Eros e Tanatos, sucessivamente encarnada por Salomé, Judite (ver Klimt) ou Cleópatra, tema recorrente na pintura (Munch).

Séverine Jouve, jornalista e escritora


DECADÊNCIA

"Os grandes bárbaros brancos" (Verlaine)

"O poeta de As Flores do Mal gostava daquilo a que impropriamente se chama o estilo da decadência, e que outra coisa não é senão a arte que atinge aquele ponto de maturidade extrema que as civilizações que envelhecem determinam nos seus sóis oblíquos." No seu prefácio (1868) a As Flores do Mal, Téophile Gautier (1811-1872) estabelece a relação entre decadência histórica e zénite poético. No mesmo sentido, "Langor" de Verlaine (1884) celebra o apogeu de um estilo requintado.

Quer se considere este fenómeno literário como uma primeira manifestação do simbolismo (o aparecimento da revista Le Decadent de Anatole Baju é, aliás, contemporâneo do manifesto de Móreas), quer se tente distingui-lo dele, a decadência define-se por um estado de espírito impregnado de pessimismo e por uma escrita mais rebuscada , em que abundam as palavras raras, os neologismos, e que recorre a perversas metáforas e a uma sintaxe complicada.

Este estilo impõe-se num romance, À rebours, em que Huysmans traça o retrato inesquecível do duque Jean Floressas des Esseintes, arquétipo do esteta decadente, dandy neurótico que prefere a arte à vida. A pintura participa activamente na criação destas atmosferas insalubres. Cronista dos vícios e da corrupção da sua época, Jean Lorrain (1855-1906), nas suas próprias palavras eterómano e "enfilantropo", escreve Monsieur de Phocas (1900), romance de clima deletério, percorrido por descrições de obras de Moreau, Ensor ou Khnopff.

Séverine Jouve, jornalista e escritora.

DE PROFUNDIS



Graça Martins, acrílico e colagem s/tela, retrato de Oscar Wilde.

DANDISMO E ELITISMO

"Só nos temos a nós mesmos"Khnopff (pintor simbolista)

Outrora celebrado por Barbey d'Aurevilly e Baudelaire, o dandismo é uma atitude muito apreciada nos meios artísticos dos finais do século XIX. Copiando os antepassados românticos, jovens literatos como Rodenbach e Moréas afirmam a sua diferença pelo culto cuidado da aparência e da conduta. Este narcisismo, ilustrado por Oscar Wilde (Retrato de Dorian Gray) e pela divisa de Khnopff (só nos temos a nós mesmos), é reforçado pelo sentimento de pertencer a uma elite. Culto da distinção, encarnado pelo conde Robert de Montesquiou (1855-1921), modelo da personagem de Des Esseintes (ver Huysmans), o dandismo fim-de-século é também a afirmação de uma inadaptação ao mundo que conduz, na sua expressão literária, a trágica reclusão voluntária, um culto do raro e do artificial que corteja a monstruosidade e o sadismo. A época vê nascer as novas figuras do snob e do esteta. Preocupações mais concretas estão por vezes subjacentes ao elitismo: perante a "arte oclocrática" propagada em França por dois pletóricos salões anuais, Péladan opta por acolher as obras de uma "artisteia" rigorosamente escolhida. Em contraste com o desejo de publicidade, espíritos exigentes fazem gala da sua indiferença para com a multidão. Ao defender, desde 1862, uma poesia deliberadamente hermética à vulgaridade ("Heresias artísticas. A Arte para todos"). Mallarmé faz desta o último refúgio das almas nobres iniciadas e o santuário da religião da arte.

Laurent Houssais, historiador de arte.