quinta-feira, 1 de abril de 2010

ALGUMAS DAS MINHAS OBSESSÕES MUSICAIS - CLARO QUE EM 1º LUGAR COLOCO O GLENN GOULD E AS FAMOSAS VARIAÇÕES DE GOLDBERG DE BACH

GLENN GOULD

MICHAEL NYMAM

SAKAMOTO

PHILIP GLASS

STEVE REICH

Rosa do Deserto


Dois poemas de RUI PIRES CABRAL

«Do coração da noite vinham apelos e silêncios.»

para o João Menau


As cidades doem, estão dentro de nós
mantidas por laços de fumo e desejo,
têm muros úteis e portas escondidas
que dão para a noite, como certos livros,
e há amores que vivem a horas tardias


e outros que se cortam no fio da trama,
queimam paus de incenso para abrir
caminhos, remover obstáculos, há curvas
e arcos, ecos desolados, quartos de ninguém.
As cidades cansam, estão nos nossos

dias, têm mil janelas de azul virtual
que nunca sossegam e nunca terminam
e há corpos que ensinam a temer a morte,
sombras que circulam nas redes do escuro
e homens que ferem para não chorar.


«He loved beauty that looked kind of destroyed.»

Gostava dessa espécie de beleza
que podemos surpreender a cada passo,
desvelada pelo acaso numa esquina
de arrabalde; a beleza de uma casa devoluta
que foi toda a infância de alguém,
com visitas ao domingo e tardes no quintal
depois da escola; a beleza crepuscular
de alguns rostos num retrato de família
a preto e branco, ou a de certos hoteis
que conheceram há muito os seus dias de fulgor
e foram perdendo estrelas; a beleza condenada
que nos toma de repente, como um verso
ou o desejo, como um copo que se parte
e dispersa no soalho a frágil luz de um instante.
Gostava de tudo isso que o deixava muito a sós
consigo mesmo, essa espécie de beleza arruinada
onde a vida encontra o espelho mais fiel.


ORÁCULOS DE CABECEIRA, AVERNO, 2009, Lisboa

BEIJINHOS, MUITOS BEIJINHOS...


Poema de Eugénio de Andrade

SERENATA



Venho ao teu encontro a procurar

bondade, um céu de camponeses,

altas árvores onde o sol e a chuva

adormecem na mesma folha.



Não posso amar-te mais,

luz madura, espaço aberto.

Não posso dar-te mais do que te dou:

sangue, insónias, telegramas, dedos.



Aqui estou, fronte pura, rodeado

de sombras, de soluços, de perguntas.

Aceita esta ternura surda,

este jasmim aprisionado.



No meus lábios, melhor: no fogo,

talvez no pão, talvez na água,

para lá dos suplícios e do medo,

tu continuas: matinalmente.



A Palavras Interditas/Até Amanhã, Limiar, 1978, Porto