domingo, 23 de dezembro de 2012

Escadas


O FIM DA ESCADA



A estranha sensação de ter morrido
em Viena, numa tarde de outono de 1992,
numa casa cuja escada nunca subi.
De ser desde então um intruso, um farsante,
o actor sem futuro de uma comédia má.
De que o destino. implacável e rasteiro,
se vingou na longa noite de um hospital,
nas horas vazias que tento preencher.
Inventar, não heterónimos como fez Pessoa,
mas algo mais simples, o homem que escreve agora,
a medíocre perseverança dos seus feitos,
enquanto, insistente, me tenta a ideia de voltar,
de subir de vez os degraus, de bater a uma porta.
Mas quem sabe se ainda uma história pior,
um horror mais nítido me espera ali,
no fim da escada, diante da imaginada porta?


Juan Luís Panero


Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Relógio D'Água, 2003, Lisboa
 


UM LONGÍNQUO ADEUS



Falamos, melancólicos, às três da madrugada,
tristes, não demasiado bêbados,
naquele ruidoso bar para noctívagos.
Curiosamente, insistimos no tema da morte
e recordou-me outras conversas, outro tempo,
embora neste momento, fosse uma morte próxima - muito pouco literária -,
sórdida e tangível como as manchas da toalha.
Na porta ao sair ficamos sérios,
sabíamos que de novo nos separávamos
e fingimos esquecê-lo com uma expressão banal.
Hoje, não sei porquê, voltam essas imagens
e gostaria de reviver aquela noite,
nem melhor nem pior, o que foi, simplesmente.
Reter por um momento, só por um momento,
a humidade dos teus olhos, o ricto do teu sorriso,
o que me chega como uma pintura desbotada,
ou como, ao despedir-nos, as gotas de chuva no vidro do carro,
a desenharem um caminho, a resvalarem, a apagarem-se.


Juan Luis Panero


Tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Relógio D'Água, 2003, Lisboa