sábado, 31 de janeiro de 2009

F.SCOTT FITZGERALD

(....)
A FENDA ABERTA


Fevereiro de 1936

Claro está que a vida é, toda ela, um acto de demolição, mas o estrago que os lados dramáticos do trabalho fazem - os grandes e súbitos impulsos que chegam, ou parecem chegar, de fora - os que ficam de memória e achamos responsáveis pelas coisas e em momentos de fraqueza contamos aos amigos, não produzem logo de seguida efeito. E estragos há de outra espécie, chegados de dentro - que apenas sentimos tarde de mais para terem remédio, seja ele qual for, e só notamos em definitivo quando já deixámos de ser, de certo modo, o que éramos. A primeira destas rupturas, digamos assim, parece rápida - mas a segunda vai-se dando quase sem ser notada para tomarmos depois e repentinamente, consciência dela.

(....)
A Fenda Aberta, Hiena Editora, Trad.Anibal Fernandes, Lisboa, 1986

O Estranho Caso de Benjamin Button








“Eu nasci sob circunstâncias pouco usuais". É assim que começa "O Estranho Caso de Benjamin Button", adaptado a partir da história de F. Scott Fitzgerald, sobre um homem que nasce com oitenta anos e regride na sua idade: um homem, como qualquer um de nós, que é incapaz de parar o tempo. O filme conta a história de Benjamin e da sua "viagem" fora do comum, das pessoas e lugares que descobre ao longo do seu caminho, dos seus amores, das alegrias da vida e da tristeza da morte, e daquilo que dura para além do tempo."
FILME - O Estranho Caso de Benjamin Button
Realizador: David Fincher
Argumento: Eric Roth /Scott Fitzgerald
Com: Brad Pitt, Cate Blanchett, Tilda Swinton, Taraji P. Henson, Jason Flemyng, Julia Ormond
Drama, Fantasia, Romance 2008
What if I told you that instead of gettin’ older, I was gettin’ younger than everybody else?
Benjamin Button
David Fincher já nos habituou a um tipo de cinema memorável, com características próprias e pernas para andar durante muitos anos sem perder a consistência e a magia, como Seven (1995) ou Zodiac (2007). Mas nenhum dos seus filmes se pode comparar a esta história fantástica e bizarra de um homem que vê a vida e o tempo passar ao contrário, argumento escrito por Eri Roth. Baseado num conto de F. Scott Fitzgerald, datado de 1921, O Estranho Caso de Benjamin Button segue a vida de um homem, Benjamin, que nasce velho e começa a rejuvenescer à medida que cresce, ao contrário de todas as outras pessoas. Em 1918, abandonado à nascença pelo pai, é encontrado por uma mulher que o recebe de braços abertos no seio de um lar de terceira idade. Benjamin atravessa uma infância difícil para um homem de cerca de oitenta anos: cresce junto a pessoas idosas, aparentemente iguais a si próprio, e apaixona-se por Daisy, a única criança que é capaz de o ver para além da velhice aparente. À medida que vai crescendo, Benjamin conhece pessoas e perde outras, começa a ficar mais novo e a trabalhar no alto-mar. Passa pela Rússia, onde conhece Elizabeth, o seu primeiro amor, e regressa mais tarde a Nova Orleães para reencontrar Daisy, já uma mulher e bailarina profissional. Acabam por se encontrar a meio, quando têm aparentemente a mesma idade, e vivem um romance que poderia durar para sempre, não fossem as leis da natureza e o estranho caso de Benjamin. Acompanhamos esta história a partir de um diário de Benjamin que Caroline, filha de Daisy, lê à mãe já no século XXI, no dia em que o furacão Katrina destrói Nova Orleães; e da narração do próprio personagem ao longo de todo o filme.
Benjamin Button atravessa a Segunda Guerra Mundial, a ascensão dos Beatles, o início da vida cosmopolita de Nova Iorque, cada vez mais novo mas também mais experiente. Conhece a vida ao contrário, começando por experimentar a velhice a acabando a experimentar ser criança. Brad Pitt interpreta este homem diferente que tem de enfrentar uma vida invulgar, surpreendente enquanto idoso, e encantador e inocente enquanto jovem. Partilha o ecrã com Cate Blanchett no papel de Daisy, numa interpretação segura e profunda. Juntos, protagonizam os momentos mais belos do filme, encontrando uma química que não tinha sido conseguida em Babel (2006). Vivem um amor possível durante aqueles escassos anos em que têm a mesma idade, mas impossível a partir do momento em que ela começa a envelhecer muito e ele a rejuvenescer muito. Por isso, queriam recordar-se um do outro como estavam naquele momento exacto, que talvez tenha sido a única coisa que durou para sempre, através da sua filha Caroline.
A melhor sequência do filme é encontrada na narração de Benjamin do acidente de Daisy, que acabou com a sua carreira de bailarina. Fincher foi buscar uma cadeia de acontecimentos que levaram à ocorrência daquele acidente, na qual se um desses factos se tivesse processado de forma diferente, talvez Daisy não tivesse sido atropelada. De forma genial, entramos na dinâmica do filme e somos absorvidos pelas cores quentes que transmitem a antiguidade da história e pelas belas e tranquilas paisagens que caracterizam as épocas retratadas. De realçar ainda a fantástica caracterização, tanto de Pitt como de Blanchett, que lhes permitiu viver as personagens nas diversas fases das suas vidas e interpretá-las com mais credibilidade; a banda sonora composta por Alexandre Desplat, amena e luminosa, que acompanha todo o filme; e alguns momentos mais leves e alegres, que dão equilíbrio ao drama retratado.
Foi a primeira vez que senti lágrimas prestes a caírem dos meus olhos, a ver um filme, no cinema, numa sala cheia de gente petrificada com o que acabara de ver. Não pela beleza da história ou do filme em si; antes pelo peso afectivo que tem sobre Benjamin e nós próprios, espectadores. A dor de ver partir todas as pessoas à sua volta, de sentir que está a tornar-se numa criança saudável à medida que todos os que ama começam a desaparecer. A dor de abandonar Daisy apenas porque não pode dar uma melhor vida à sua filha, porque não pode envelhecer com ela e morrer com ela; porque acabará por morrer como uma criança e ela merece mais do que isso. A dor de, numa primeira fase, nascer e crescer como uma pessoa idosa e amar Daisy como criança; e, numa segunda fase, morrer como um bebé nos braços de uma Daisy já idosa, não se recordando de toda uma vida que passara e deixara para trás, a não ser quando a olha nos olhos uma última vez.
Cada pessoa verá esta história com olhos diferentes, e sentirá de forma diferente o que ela transmite, pois o que verdadeiramente importa é o que se sente durante a visualização do filme. Mas é do senso comum a sua essência mágica, a profundidade que atinge, a emoção que transmite a cada frame, a cada momento. Não pode ser contado; tem de ser visto para ser acreditado. E a verdade é que acreditamos em tudo o que vemos. Encontramos uma nova forma de encarar a vida e a morte, o envelhecimento e o passar do tempo, como se, em vez de andarem para a frente, os ponteiros do relógio seguissem na direcção contrária. Mas parar, não se consegue parar o tempo.
Durante quase três horas, atravessamos cerca de oitenta anos da vida invulgar de Benjamin Button, praticamente sem darmos por isso, sem querermos que a experiência acabe, tentando ao máximo prolongar aquele momento. É um épico fantasista sobre o amor, a vida e a morte, o destino, os milagres, a diferença, a experiência, a dor, mas consegue ser também uma história real que nos toca bem no fundo. As expectativas eram elevadas, mas este O Estranho Caso de Benjamin Button conseguiu superá-las. É uma obra extraordinária – não só pelo argumento único como pela realização inteligente e serena de Fincher – que ficará para a história e se tornará, sem dúvida, num clássico do cinema. É intenso, mágico, brilhante, perfeito, único, em todos os aspectos. Não resta nada para dizer, senão que há coisas que duram para sempre, e este filme é uma delas.
O melhor: A magia e originalidade da história, a perfeição da sequência narrativa e um Brad Pitt versátil.
O pior: Ter apenas três horas de duração… As diferentes etapas da vida de Benjamin foram perfeitamente colocadas na linha temporal do filme, mas se ocupassem mais tempo, a experiência seria mais longa…
As frases:- We’re meant to lose the people we love. How else would we know how important they are to us?- You never know what’s comin’ for ya.- Our lives are defined by opportunities, even the ones we miss.- I hope you live a life you’re proud of. If you find that you’re not, I hope you have the strength to start all over again.- I was thinking how nothing lasts, and what a shame that is.
Análise ao filme- Raquel Silva

Poesia Espanhola Contemporânea

Dois poemas de VÍCTOR BOTAS


Inclino-me diante dessa página que nunca
escreverei. É tão difícil isso
de transformar em símbolos as coisas,
em magia os momentos, em som
aquele corpo que pude ter amado
e que não amei. Nas noites de insónia,
uma pergunta talvez sem possível
resposta me atormenta: o que digo
de que há-de servir-me? Tu não me escutas.
Encontro inesperado

É possível que não tenhas dado conta. Mas
ontem, por um instante, estive quase
a embebedar-me por te ver. (Que espécie
de álcool haverá nos teus olhos
pergunto-me, procurando
recordar a hora, aquela mesa,
com um par de cafés, e a magra
longitude das tuas mãos). Não, não tenhas medo,
que não te farei a corte: não poderia
correr tanto
risco:
como tantas
vezes consegui demonstrar,
sou muito cobarde, amiga.

Trad. de Joaquim Manuel Magalhães, Relógio D'Água, Lisboa, 1997
António Botto

Adolescente

Não. Beijemo-nos, apenas,
Nesta agonia da tarde.
Guarda para outro momento,
Teu viril corpo trigueiro.



Poesia Grega Contemporânea

Poema de Yorgos Seferis

Não foi outro o nosso amor
fugia tornava a voltar e trazia-nos
uma pálpebra descida muito longínqua
um sorriso marmóreo, perdido
dentro da erva matutina
uma concha bizarra explicá-la
procurava insistentemente nossa alma.

O nosso amor foi outro tenteava
quietamente entre coisas em redor de nós
para explicar porque não queremos morrer
com tanta paixão.

E se nos agarrámos a quadris e se abraçamos
outras nucas com toda a nossa força
e se unimos o nosso hálito com o hálito
dessa pessoa
e se fechámos os nossos olhos, não foi outro
apenas este anseio mais profundo de nos agarrarmos
dentro da fuga.

Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis, Relógio D'Água, Lisboa, 1993

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Talvez, por fim, no vidro
daquele café eu pudesse
perceber o que queria ao certo
dizer Kant com aquilo
do “sublime”. Mas não tive tempo.


Manuel de Freitas, in Boa Morte

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Ruy Belo aos 35

Projectos?
Deixar de dormir sem tranquilizantes e barbitúricos. Já lá vão
quase dez anos. Não sei se voltarei a dormir. É tão bom dormir.
A paz dos mortos. Sabe? Assim, sou um sobrevivente. Morri aí
pelos trinta e dois ou trinta e três. Como Cesário ou Nobre. Mas
tendo falhado.

Tem medo da morte?
Tive. Mas isso na poesia. Libertei-me. Hoje tenho medo da vida.
Desta.
DESENHOS DE RUI EFFES




Sessão de poesia organizada pela livraria Poetria - Porto
A poesia grega (antiga e moderna)

5ª feira, dia 29/1, pelas 21,30, no Café Progresso

"Não aspires, minha alma, à vida eterna:
Mas vai esgotando o campo do possível" - Píndaro, in Píticas III


Leitura de poemas : Cláudia Novais, André Sebastião, Rui Pena
João Borges e Olga Oliveira

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Poema de valter hugo mãe

coisas por acontecer, dois

vou morrer no dia dezoito de março de
mil novecentos e noventa e seis com
apenas vinte e quatro anos. pouco me
importa chegar a velho ou cumprir os
sonhos, porque já não saberei sonhar e
estarei morto a partir desse dia

tombarei o corpo para um largo
túmulo, onde poderá afeiçoar-se à morte
lentamente, concebendo algum
movimento, mas onde encontrará um
silêncio agreste ante todas as
tentativas de expressão,
e onde quem se abeire
o faça com a ilusão mesma dos
contactos entre dimensões, fugazes,
assustadores, mórbidos

no dia dezoito de março de mil novecentos e
noventa e seis as coisas mais pequenas
da terra serão já maiores do que
eu, na importância, no tempo, e estarão
ao nível dos meus olhos e nada mais
deverá ser o meu objectivo senão
partir definitivamente

hoje, sete de junho de dois mil e sete,
tenho trinta e cinco anos e sei
exactamente quando morri. o que aqui
têm é luz refractada e a
resistência ultrajante da palavra

(valter hugo mãe, "folclore íntimo" / Cosmorama Edições)
Antony and the Johnsons
THE CRYING LIGTH


THE CRYING LIGTH

sábado, 24 de janeiro de 2009

A NATUREZA REVOLUCIONÁRIA DA FELICIDADE
Foi no dia 22 de Janeiro, mais uma Quinta de Leitura no Teatro do Campo Alegre.
Um espectáculo lindo e para recordar.
Os desenhos do valter em grandes dimensões, a encenar as palavras ditas por ele, Maria do Céu Ribeiro, Pedro Lamares e Isaque Ferreira e também a música do Bruno Pereira e do pianista Pedro Pereira. Parabéns
O João Gesta fez um bom trabalho e toda a sua equipe.
valter hugo mãe
Isaque Ferreira
Maria do Céu Ribeiro











Pedro Lamares

Fotografias de Sara Moutinho

NE ME QUITTE PAS - JAQUES BREL

Ne Me Quitte Pas - MAYSA

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Poema de ISABEL DE SÁ

O PÓ NEGRO DA CIDADE

As árvores das grandes avenidas
estão cheias do pó negro
do ruído da cidade.
Somos peças da engrenagem;
o homem dos impostos, os trolhas,
o funcionário do banco
que fala comigo, porque se aborrece.
Todas as manhãs, o aspirante
a poeta cumpre um horário
à mesa do café.
Motorizadas, raparigas fumam
a caminho do emprego. O gasóleo
dos transportes públicos e dos
automóveis mais potentes. O luxo
exibido ao fim da tarde. Passam
grupos de pretos
elegantemente vestidos, passeia-se
a loira da hospedaria. A s outras,
pobres, dementes, sentam-se na berma
da estrada. E, no shopping, na loja
de video um velho de aspecto reles
com gel nos cabelos e gravata vermelha.
O pai de família com a sua máquina
de filmar, os cartões de crédito,
o automóvel a prazo.

Saem das barracas, dos bairros
infectos, crianças que emigram
para junto dos semáforos. Vendem-se
na rua adolescentes ainda
de aparência saudável.
Comboios apitam, o vento mudou,
nublou-se o céu. O povo tem
uns trocos, vai a todo o lado.
Tem aquele gosto ofuscante
no vestuário e cospe para o chão.
Na classe política muitos javardos
aprendem com o livre trânsito.
Aparentam serenidade, apenas
um sorriso para encobrir a vergonha,
a pobreza de sermos tão sós. Os hotéis
de luxo repletos de turistas
da Comunidade. Vestem calções,
calçam chinelos de piscina, sentem-se
à vontade na pátria de Camões.

Os rapazes pedem moedas para o almoço,
o jantar, colam-se aos carros, não admitem
a privacidade do cidadão. Andam drogados,
já muito doentes, a boca podre.
Ainda existe o engraxador
perto da estação. Palito entre os dentes,
umas garrafas misturadas ao ofício.
O advogado, o doutor em letras
atravessam a praça compenetrados
na importância do seu papel. O fato,
a gravata, a pasta a estoirar
de documentos. Talvez no meio da confusão
haja uma carta sentimental, a foto
do filho recém-nascido: um futuro
qualquer para iludir a vida mercantil.

13ºlivro-Erosão de Sentimentos, 1997, Repetir o Poema, Quasi Edições, 2005

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Morreu o meu primeiro Galerista
JAIME ISIDORO 1924 -2009






Um dos fundadores da Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira
Jaime Isidoro, pintor, galerista e fundador da Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira, morreu esta madrugada, no Porto, aos 84 anos. Nascido a 21 de Março de 1924, Jaime Isidoro estudou desenho e pintura na Escola Soares dos Reis, no Porto, e realizou na sua cidade a primeira exposição individual em 1945, no então designado Salão Fantasia (na Rua 31 de Janeiro). O Porto foi o tema principal dos seus quadros, principalmente aguarelas, mas Isidoro destacou-se também na cidade como galerista e divulgador de arte, nomeadamente através da Academia e Galeria Alvarez, que fundou em meados da década de 50, e, mais tarde, com a Galeria Dois, na Boavista.
Publico, 21 de Janeiro

ANTONY AND THE JOHNSONS FOR PRADA

PINTURA DE AUGUSTO CANEDO




terça-feira, 20 de janeiro de 2009

UM DIA PARA A HISTÓRIA


VIVA OBAMA

Danilo Nacarato 08 - Filme de Kitesurf



Como já estamos fartos do Inverno e deste frio, este filme lembra o Verão.

O protagonista é o meu aluno Danilo Nacarato. Obteve o 2º lugar no Ranking geral do Campeonato Português de Kitesurf em 2008.

Só é pena existir uma arma neste filme. Continuo a não concordar com este tipo de efeitos visuais.





















PORTUGAL - O TAL QUE ESTÁ MAL

Neste país de anedota, o medo já se instalou nas cabeças dos crentes.
As missas começaram. A tentativa de impedir a aprovação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo é o grande objectivo da Igreja.
Esperam ansiosos pela aparição da Nossa Senhora, para os orientar nas estratégias contra uma sociedade mais plural e menos fundamentalista.


sábado, 17 de janeiro de 2009

LIGHT MY FIRE - THE DOORS

Onde tudo começou e o incêndio continua...

WAKE UP ALONE - AMY WINEHOUSE

Uma voz fantástica que retrata bem a instabilidade da vida e da paixão.

Filme - Porteiro da Noite de Liliana Cavani

Interpretação indescritível de Dirk Bogarde e Charlotte Rampling







Foto de Ana Margarida por Graça Martins
"LÍDIA" de RICARDO REIS

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)


Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.


Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.


Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.


Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.


Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento
‹Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.


Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.


E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim
‹ à beira-rio,

Pagã triste e com flores no regaço.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Poema de João Borges
Gosto de andar nu pela casa. Estou farto de me esconder. Mas que sangue me percorre as veias?
O meu quarto cheira a fumo porque ardo constantemente. Deito-me a cantar baixinho. Quis mãos de muitos corpos, mas o meu fundo é negro. Pouco ou nada me pertence. Morrerei e as cinzas ficarão nas ondas onde corpos que tanto desejei se irão banhar.
Que sono me fecha os olhos, que morte? De onde vem, agora, este colapso.
Estou sempre com sede, nunca me canso de beber. Visto-me de preto porque a luz me incomoda. E nunca digo”É agora”. Nunca senti que pudesse ir.




Poema de João Borges

COISAS QUE ME ULTRAPASSAM

Daqueles dias em que acordo
e demoro horas até
finalmente me levantar.

É doloroso
reentrar no mundo.
Recuperar do apagão da manhã,
em apenas cinco minutos dizer
“Isto é a vida”

Deixar que o dia aconteça
e pereça sobre mim.

Esta noite talvez vá a algum bar,
rodeio-me de amigos
e perco a noção de como tudo
foi penoso.

Não percebo como
“Isto é a vida”

Ninguém me sabe dizer
que lugar é o meu.

Onde encaixam
os meus passos:
há sempre Douro e há sempre
Santa Catarina ou o Almada,
há sempre dormir em camas
que se transmutam.
Enfim, há sempre por
onde escapar.

Um dia, direi que estava
perdido.

Verei a beleza da chuva, absoluta.

Agarrei-me a um lugar
perdido no meu corpo, para não
me lembrar de coisas

que me ultrapassam.
Metáforas, sílabas: máscaras.
Nunca poderei sentir
isto por mais ninguém.
É inevitável que adormeça
mal e sobre ti.

Acorde desses
pequenos nadas,
dizendo
“Isto é a vida”



domingo, 11 de janeiro de 2009

VAN GOGH ON STEROIDS

Vincent Van Gogh à solta no Counter-Strike

Como é possível existir uma arma nestas imagens!!!!

Quem seria o cérebro destituido a ter esta ideia peregrina ???

Imagens fantásticas dos quadros de Van Gogh utilizadas num jogo para crianças.

sábado, 10 de janeiro de 2009

João Luís Carrilho da Graça - Teatro e Auditório de Poitiers














João Luís Carrilho da Graça - Escola Superior de Música de Lisboa

































Fotos de Fernando Guerra

ARQUITECTO CARRILHO DA GRAÇA





CARRILHO DA GRAÇA VENCE PRÉMIO PESSOA 2008

Talvez o maior elogio que se possa fazer a João Luís Carrilho da Graça seja reconhecer nos seus mais recentes projectos uma recusa em se sujeitar a um espartilho de estilo ou linguagem. No novo edifício da Escola Superior de Música de Lisboa encontramos um extraordinário entusiasmo pela arquitectura, uma expressividade coerente de raiz mais programática que formal, um carisma mediterrânico traduzido na ascensão hierárquica do espaço comunitário, no sentido de convergência do lugar, dos pátios, da luz, da privacidade. Se Carrilho da Graça mantém a firmeza elegante do traço, a doutrina que a motiva é agora muito mais implícita do que explícita e as formas que dela nascem tornaram-se mais livres e exploratórias. Também no recente Théâtre & Auditorium de Poitiers Carrilho da Graça assume a clareza da textura dos materiais e a presença saturada da cor para desenvolver uma obra coesa - da dimensão urbana à escala arquitectónica, para se prolongar no detalhado design do interior, na plasticidade expressiva da sinalética e na exposição sem pudor da infra-estrutura.Não será a investigação conceptual do grande palco de Poitiers a razão para a presente atribuição do Prémio Pessoa. Estará certamente na base dessa distinção um sentido mais magnânime de encanto pela solenidade da obra de Carrilho, cujo exemplo maior será o Pavilhão do Conhecimento dos Mares e que hoje se apura no seu regresso ao Alentejo, materializado na nova Igreja de Portalegre. Mas um mestre não é apenas um autor com longa prática e estilo coerente. Um mestre é alguém que se desafia a cada obra e nos ensina a descobrir a dimensão transcendente da arquitectura que transforma o inerte em forma de arte. A obra recente de Carrilho da Graça revela isso mesmo, resistindo ao fluxo transitório da imagem para construir lugares com memória e sentido humano. Eis, por tudo isso, um justo reconhecimento.
texto postado no blog "a barriga de um arquitecto"Dezembro de 2008

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009


22 de Janeiro a próxima Quinta de Leitura
22h00 Café-Concerto
a natureza revolucionária da felicidade
quem deixou sobre o coração
um feixe de luz
não cega nunca

Desenho de valter hugo mãe
A poesia de valter hugo mãe

fim

tentei matar-me no dia onze de julho de
dois mil e seis. o sol era intenso mas
os meus olhos perderam de tal modo a luz,
que a própria faca brilhando se tornou
apenas um animal de dentes afiados que
me feriu os dedos mas não se deixou
apanhar. a morte fugiu-me assim. foi o
mais estranho que me aconteceu e pode
só isso ser o mais peculiar que tenho
para deixar dito, deitando por terra qualquer
obra, qualquer outro poema, que soará,
seguramente, uma redundância depois
que a vida se prolonga para lá do fracasso

(valter hugo mãe, "folclore íntimo"/Cosmorama Edições)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Video de Pedro Guimarães

Poema de Jorge de Sousa Braga

PLANO PARA SALVAR VENEZA

I
Sentei-me numa esplanada nas margens do Grande
Canal e pedi uma coca cola... É terrível chegar ao fim
do século dos refrigerantes com esta infinita sensação
de sede.

O século vinte é um vasto deserto de poços de
petróleo. Perfurei o solo da minha terra mas o que
me saiu foi um jacto de poemas.

Prospecções recentemente efectuadas revelaram que
sob as areias movediças de Veneza se encontra um
dos maiores lençóis petrolíferos da Europa.

Esta noite tive um pesadelo. Nas minhas veias não
era sangue que corria era petróleo. E acabara eu de
descobrir um poço de sangue...

Eu não estive em Awshwitz nem em Babi Yar nem
em Mai Lai. Estive sempre aqui na cama.

& a visão da primeira bomba no céu de Hiroshima:
fez-me crescer momentâneamente a água na boca
assim como a milhares de apreciadores de cogumelos.

Einstein foi uma espécie de pirilampo uma das raras
pessoas a possuir luz própria num século onde a
maioria tacteava no escuro.

24 july 1969 5 am. Neil Armstrong punha o primeiro
pé na lua. Eu dormia profundamente. E o meu sono
tornou-se nesse momento setenta quilos mais pesado.

Desde que os americanos descobriram que as estrelas
tinham pulgas que não me deixa esta comichão
sideral.

O meu século não chegou a andar de gatas. Com oito
anos já se arrastava pelas minas de carvão pouco tempo
depois combatia nas trincheiras. E as únicas
lágrimas que lhe vi chorar foram as dos gases lacrimo-
géneos.

Picasso morreu antes que pudesse levar a cabo o seu
sonho um único fresco que ocupasse não a abóbada da
Capela Sixtina mas a abóbada celeste.

Fernando Pessoa morrera muitos anos antes numa
clínica lisboeta completamente ignorado depois de ter
colocado um padrão com a cruz das quinas num dos
areais de areia mais fina do universo.

Talvez o meu século seja uma comédia banal embora
filmada por homens de talento onde algumas estrelas
se passeiam com tanto à vontade como se fosse na Via
Láctea e de que a generalidade dos participantes des-
conhece o argumento.

II
Todos os anos o Adriático cresce alguns milímetros
sobre Veneza o século vinte ameaçado pelas águas.

O que é que se pode esperar de um século que foi
construído sobre estacas?

A melhor maneira de conhecer o meu século é de
gôndola.

Cada vez mais se apodera de mim a convicção de que
a tua salvação passa pela salvação de Veneza (se é
que não são uma e a mesma coisa).

A não ser que se tomem as devidas providências
dentro em breve será celebrada na catedral de S.
Marcos a primeira missa submarina para alguns
cardumes de peixes boquiabertos.

Antes disso porém o leão alado baterá as asas e
regressará de novo a Tiro.

Calma! Não há razão para entrarem em pânico.
Veneza não será destruída pelas águas mas sim pelo
fogo.

Eu tenho um plano concreto para salvar Veneza. O
que me parece é que ninguém está disposto a colabo-
rar comigo. Estou a ser alvo de um complot e isto não
é paranóia minha. Ainda ontem os seres vermelhos e
azuis que vivem no sótão me confirmaram o facto.

Eu sou o condottiere Bartolomeo Calleoni. Hoje
apeei-medo meu cavalo e passei anonimamente pela
minha Sereníssima República.

Quando é que a Ponte del Paradiso será de novo
aberta ao tráfego?

Aproximam-se épocas de grande religiosidade. Para
me preparar vou cultivando religiosamente a cera nos
ouvidos.

Procura-se um século barbudo e de olhos claros.
Na altura da fuga vestia umas calças de bombasina
lilás um blusão negro e um lenço branco ao pescoço.
Fugiu da História porque a História era demasiado
pequena para ele.

Testemunhas oculares reconheceram-no quando
tomava um vaporetto perto de Santa Maria della
Salutte.

Hoje descobri que era a reincarnação de um doge.
Voltei a Veneza e ainda não desisti de recuperar o
meu palácio nas margens do grande canal a uma
colónia de ratos.

Eu sou a má consciência do meu século. Tenho a
cabeça cheia de ratos e não consigo ver-me livre
deles. Nenhum raticida (o trigo roxo inclusive) se
revelou ainda eficaz.

Todas as pessoas deixam uma marca indelével no
século por onde passam uma pegada na areia ou o
nome escrito em letras de oiro no pedestal de está-
tuas. A única marca que quero deixar é uma pequena
mordedura atrás da orelha.

Sentei-me numa esplanada nas margens do Grande
Canal... A meus pés corria agora um extenso caudal
de coca cola.

Jorge de Sousa Braga, O Poeta Nu, Fenda Edições, 1991

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

WANTED




Joy Division Nick Cave ou Che Guevara ???
Fotos de José Dias de Sousa por Graça Martins

Arquivo dos anos 80/90




Poema de Constantino Cavafy

Dias de 1901

Eis o que nele o distinguia tanto:
na dissoluta vida que vivia,
com tamanha experiência do desejo,
e apesar de quanto estava acostumado
a variações de idade e de atitudes,
havia ocasionais momentos - que, é claro,
eram muito raros- em que dava
a impressão da carne quase incólume.

De seus vinte e nove anos a beleza,
que o prazer tantas vezes já pusera à prova,
por momentos lembrava surpreendentemente
um jovem que ao amor - um tanto temeroso -
entrega o puro corpo uma primeira vez.