domingo, 3 de agosto de 2008

Transgressão

O instante em que a morte atravessa o poema é o instante da transgressão. A princípio o poeta persegue cada sílaba num último recurso ou fuga ao desespero do acto de escrever. O sedimento da vida sobrevive na palavra como a proibição no erotismo. Do nada surge o clarão fascinante que arrasta o poeta até ao limite. Contra o extremo silêncio a ilusão ambiciona eternizar momentos, fazer deles um coração ardente onde possa elevar a vida à surpresa da arte.
Isabel de Sá



Love Come Back To My Arms



Graça Martins - acrílico s/tela, 80x120cm, 2008

Louise Bourgeois

Sempre tive um fascínio pela agulha, pelo poder mágico da agulha.
A agulha é usada para reparar o estragado. É um grito contra o esquecimento."

De acordo com a sua biografia, a família de Louise Bourgeois tinha uma oficina de restauro de tapeçarias antigas na cidade francesa de Choisy-le- Roi. Os pais de Louise encarregavam-na de desenhar esboços das partes que faltavam nos texteis e de criar cartões para o seu conserto posterior. Bourgeois estudou matemática na Sorbonne. Na década de 30 , frequentou várias escolas de Arte, foi aluna de Léger e mudou-se para Nova Iorque em 1938. Um dos seus primeiros trabalhos foi Femmes-Maison ( Mulheres-Casa), figuras femininas cujos corpos consistiam parcialmente numa casa, numa crítica ao estatuto social e doméstico das mulheres.
Nos anos 60, levou o seu tema doméstico um pouco mais longe com Lairs ( Tocas): formas labirínticas, espirais, que se abrem para um espaço interior oco.
A maior parte das formas sexualizadas no trabalho de Bourgeois não são claramente "masculinas" ou "femininas.
Em finais dos anos 70, consolidou a sua posição na cena artística de Nova Iorque.
Só em 1982, já com 71 anos , o museu de Arte Moderna de Nova Iorque realizou a primeira grande exposição retrospectiva do seu trabalho.
Afinal todo o trabalho autobiográfico de Louise Boourgeois, as suas Cells (Celas), as suas Spiders ( Aranhas), todo o potencial deste trabalho, que fornece ao observador um ecrã de projecção das suas próprias construções de memória, foi e será como obra de uma mulher, sempre de aceitação difícil, por uma maioria que não quer ver. Prefere viver adormecida.

Eu Ela E A Escrita

Eu ela e a escrita existimos desde o princípio. A escrita forma-se em mim, passa por ela e volta à minha pele num jogo sensual e íntimo. É um ser maleável aos gestos que executamos, vive e morre com os nossos impulsos. Quando se ausenta deixa sinais. Faz-nos confidências da sua vida errante, elabora sentimentos que não esperávamos que tivesse quando junta ao nosso, o seu instinto criativo. Assim, utilizo agora palavras que nunca pensei vir a escrever. Aceito-as porque as sei da espécie da personagem que habita connosco, conivente com os erros que cometemos.
Quando adolescente, passava o tempo a ler o dicionário, apercebendo-me da corrosão de algumas palavras, do seu poder destrutivo. Noutras havia sombra e um peso monstruoso. E as que ao tempo foram luminosas, irradiavam um brilho que se colou aos meus dedos. Eu gastava os dias a limpar-me dessa luz até não haver em mim resíduos de leitura. Descobria o esquecimento, onde o poema veio a ser abismo, outra vida onde o sorriso da morte teve muita importância. Amei a imperfeição do ser humano. Revisitei a infância e aquilo que em nós é real. Não soube prescindir da beleza.
Isabel de Sá